Quinta-feira, 31 de outubro de 2024
Por Redação O Sul | 14 de outubro de 2020
Filósofos a chamam de ‘nossa melhor professora’, psicólogos alegam que ela é ‘essencial para a condição humana’ e evolucionistas creditam a ela nossa sobrevivência enquanto espécie, mas a ansiedade carrega uma reputação bem ruim. Qualquer um que já a tenha experimentado sabe como pode ser desagradável e perturbadora. No entanto, novos dados mostram que pode haver efeitos colaterais positivos a partir da ansiedade. Já que atualmente parece não haver escapatória deste tipo de incômodo, agora pode ser a hora de começar a aceitá-la.
A ansiedade é tipicamente definida como uma reação ou antecipação a uma ameaça potencial. Ela é “diferente do medo, que está relacionado à existência de uma ameaça real”, diz a psicóloga e pesquisadora Bettina Moltrecht, especializada em regulagem emocional, explicando que não precisamos ver, ouvir ou sentir fisicamente uma ameaça por si só para sentir ansiedade.
Como todas as nossas reações emocionais, a ansiedade tem raízes na evolução. De acordo com a observação do psicólogo existencialista Rollo May, “nossa própria sobrevivência é resultado de passos tomados há muito tempo a fim de confrontar a ansiedade”, e enquanto a fonte da ansiedade pode ter mudado, a experiência permanece relativamente a mesma. Ainda que não precisemos mais antecipar a chegada de leões nos perseguindo, há muitas razões legítimas para sentir ansiedade com as provações e atribulações da vida moderna.
“Preocupamo-nos sobre não conseguir uma promoção, sobre outra pessoa flertar com nosso parceiro, alguém fazendo bullying contra nossos filhos”, explica Courtney Carlsson, coach e fundadora do app de identidade emocional Paradym. Nosso contexto cultural pode ter enorme impacto em nossas experiências e, de acordo com May, ele desempenha papel essencial no condicionamento da ansiedade de cada indivíduo.
Uma ameaça a nossas necessidades básicas
A ansiedade é o mais comum de todos os distúrbios mentais (diz-se que ela afeta 1 em cada 6 americanos), mas a incerteza da pandemia do Covid-19 exacerbou toda e qualquer experiência de ansiedade prévia, com as taxas de ansiedade aumentando vertiginosamente em todo o mundo desde março. “Estamos enfrentando uma ameaça a nossas necessidades básicas, como a ameaça de não ser capaz de pagar o aluguel ou então o desemprego, e uma ameaça a nossa saúde física”, diz Carlsson.
Enquanto muitas pessoas pensam que esse aumento poderia ser motivo de preocupação, vários especialistas defendem o contrário. Fiel a suas raízes evolucionárias, pesquisas mostram que a ansiedade pode nos proteger de dano futuro, com a experiência fisiológica agindo como importante sinal de alerta de ameaças potenciais, motivando-nos a nos protegermos para escapar do perigo. Ela também pode ajudar a nos impulsionar para buscar ou atingir objetivos.
“Todas as emoções, incluindo a ansiedade, nos motiva a fazer certas coisas”, diz Moltrecht, explicando que a ansiedade pode nos motivar a nos prepararmos para um importante sinal de alerta. “Contanto que as pessoas consigam seguir com sua vida normal, atingir seus objetivos e não ser obstruída por sua ansiedade, não há muitas desvantagens em passar pela experiência da ansiedade”.
O filósofo existencialista dinamarquês do século 19 Søren Kierkegaard acreditava que a ansiedade era nossa melhor professora, argumentando que ela nos ajuda a desenvolver ‘auto-força’ – mais conhecida atualmente como ‘resiliência emocional’ – que nos orienta em direção à maturidade. Ainda que reconhecesse completamente que a ansiedade fosse verdadeiramente desagradável, Kierkegaard também acreditava que ela era uma experiência poderosa que, quando usada de maneira positiva como guia para uma melhor tomada de decisões, nos permitiria crescer e nos desenvolver como seres humanos.
Por exemplo, se você estava se sentindo ansioso sobre voltar ao escritório após o período de lockdown, Kierkegaard a encorajaria a pensar sobre o motivo pelo qual você se sente assim. O que precisamente está deixando você ansiosa? Talvez não esteja pronta para voltar ao escritório neste momento? É possível continuar trabalhando de casa? Você se sentirá melhor se tomar precauções extras? Refletir sobre questões assim pode nos ajudar a entender melhor a nós mesmos e nossas necessidades, e a fazer mudanças que nos permitam viver de forma mais satisfatória.
Ansiedade pode indicar vitalidade
A ansiedade, em vários graus, é uma realidade para muitos, e ainda que realçada pela pandemia, ela é também algo que está nos ajudando a nos proteger de maiores riscos de contrair o vírus. “A presença da ansiedade indica vitalidade”, May argumenta, e experiências leves ou moderadas nos aliviando do torpor, aguçando sensibilidades e criando “a tensão necessária para preservar a experiência humana”. Considerando que a ansiedade pode nos tornar mais alertas quanto a potenciais ameaças, ela motivou de forma positiva muitos de nós para mudarmos nosso comportamento, com mais pessoas usando máscaras, levando álcool-gel no bolso e repensando viagens internacionais.
Além disso, de acordo com muitos relatos, este período trouxe uma sensação positiva de experiência compartilhada. Nossa ansiedade coletiva teve papel essencial para nos reunir, permitindo sentir compaixão uns pelos outros, o que, por sua vez, funciona para normalizar a sensação generalizada de ansiedade.
Reformulando sua visão das emoções
Isso posto, Fox Weber adverte quanto ao excesso de pensamentos ansiosos. “A ansiedade pode ser imensamente imaginativa e criar todos os tipos de cenários fabricados de modo fantástico”. Ela explica que pessoas ansiosas às vezes sentem que estão prestando mais atenção aos perigos do que pessoas menos ansiosas, mas, com frequência, a ansiedade exagera, amplifica e destorce o que está de fato acontecendo.
Assim, em vez de enxergar a ansiedade como algo que é ou bom ou ruim, Fox Weber sugere reformular nossa visão das emoções, lembrando que são transitórias e em constante mutação. “A ansiedade é desagradável e desconfortável, mas tudo isso entra numa metalinguagem quando começamos a lamentar sobre a existência de um estado emocional”, ela continua. “É profundamente consolador reconhecer que estados emocionais são transitórios”. Aquela ansiedade em relação a voltar a trabalhar pode parecer aguda em um dia, e mais amena no outro, o que é algo para se lembrar quando se sentir dominada pela ansiedade.