Quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 14 de julho de 2022
O especialista em técnicas de reprodução humana Roger Abdelmassih era um dos médicos mais famosos do País. Frequentava programas de TV e colunas sociais, tinha celebridades entre suas pacientes e, conhecido por operar “milagres” na sua área, cobrava fortunas por tratamento. Até que, em 2009, veio à tona uma série de denúncias dando conta de que ele era um abusador sexual em série. Assim como o anestesista Giovanni Quintella, Abdelmassih se aproveitava do momento em que as mulheres estavam sedadas para estuprá-las numa sala da sua suntuosa clínica na Avenida Brasil, em São Paulo. Em 2010, ele foi condenado a 278 anos de prisão por dezenas de estupros.
“Quando acordei, ele estava em cima de mim. O remédio não fez efeito o tempo todo. Às vezes, fico pensando que podia ter feito, para eu não me lembrar desse negócio”, conta, emocionada, a ex-paciente Vana Lopes na série documental “Abdelmassih: do milagre ao crime”, lançada este mês no canal de streaming Discovery Plus. “Não conseguia me mexer. Estava sentindo ele ali, mas não conseguia sair. Ele terminou e foi para o banheiro. Fui tentando me levantar, bamba, mole, e saí descendo a escada. Cheguei em casa, fui para o chuveiro e me feri toda de tanto que me esfreguei”.
Em seu depoimento na série, dirigida por Luiza de Moraes, a ex-funcionária Cristiane Oliveira, que acusou Abdelmassih de assédio (e tentou extorquir o médico para não denunciá-lo), disse que a equipe da clínica sabia que o chefe “mexia” com as pacientes. Mas, segundo ela, ninguém imaginava que o criminoso estuprava as mulheres enquanto elas estavam sedadas, após o procedimento de retirada dos óvulos ou o de implantação do embrião no útero. Quando surgiram as denúncias, o especialista chegou a afirmar à imprensa que o anestésico de curta duração ministrado nas pacientes, chamado propofol, provocava alucinações sexuais levando-as a crer que ele as havia molestado.
De acordo com relatos à Justiça, de forma semelhante ao anestesista gravado estuprando uma mulher na sala do parto, Abdelmassih atacava as pacientes em um momento de total vulnerabilidade. As vítimas entrevistadas no documentário contam como estavam desesperadas para serem mães e como confiavam no profissional para realizar o sonho de suas vidas. Segundo elas, o especialista recebia o casal, na primeira consulta, antes de qualquer exame, praticamente garantindo o sucesso do tratamento de fertilização in vitro, mas afirmando que era preciso já deixar pagas três tentativas. Assim, não haveria desistência após a primeira. Elas saíam convencidas de que ficariam grávidas.
O primeiro episódio da série expõe como o médico construiu a reputação de “milagreiro”, com um índice de êxitos em tentativas de fertilização bem acima da média e muito investimento na imagem, aparecendo em programas de apresentadores como Jô Soares, Hebe Camargo e Amaury Jr. “Deus me ajudou e fui um instrumento pra chegar nessa posição de fazer tantas famílias felizes”, disse ele numa entrevista. Em 1996, ele apareceu em capas de revista após conduzir o tratamento que levou a então mulher de Pelé, Assíria, a engravidar de gêmeos. Diante de tamanha “estrela” do campo da reprodução assistida, as pacientes depositavam fé incondicional e empenhavam, por vezes, todas as economias.
“Eu estava sendo estuprada pelo homem, pelo médico que ia realizar meu sonho”, afirma Ivani Serebrenic, após contar como foi violentada por Abdelmassih. “Acordei e não tive dúvidas, senti o cheiro de esperma, horrível, ele simplesmente baixou o jaleco e saiu. Peguei minha roupa, me limpei com papel, meu marido tava na recepção, eu estava chorando, falei que tava doendo. Pensei em todo aquele tempo que estava ali na clínica…”, diz.
Os crimes de Abdelmassih chegaram a público por meio de uma matéria do jornal Folha de São Paulo, em janeiro de 2009. Já havia, então, uma investigação no Ministério Público de São Paulo, inciada após uma jornalista convencer algumas vítimas a procurar o órgão. Depois que a primeira reportagem saiu, o número de mulheres dispostas a levar seus casos à Justiça subiu rapidamente. Foi como se a barreira represando todos aqueles relatos tivesse sido rompida. Em questão de dias, toda a reputação do médico caiu por terra.
Abdelmassih foi preso em agosto de 2009 e condenado em setembro de 2010, mas conseguiu o direito de recorrer à sentença em liberdade. No início de 2011, a Justiça determinou sua prisão novamente, mas ele fugiu para o Paraguai, tornando-se um dos homens mais procurados pela Polícia Civil de São Paulo. O médico ficou morando lá com identidade falsa, na companhia de sua mulher e os filhos gêmeos do casal. Só foi preso de novo em agosto de 2014, após Vana Lopes criar toda uma rede de informantes para ajudar a polícia a encontrá-lo. Desde novembro do ano passado, ele cumpre sua pena no Hospital Penitenciário do Estado de São Paulo. O médico tem 78 anos. As informações são do jornal O Globo.