Quarta-feira, 18 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 3 de março de 2023
Os problemas econômicos da população russa começam a impactar o apoio à invasão de Vladimir Putin à Ucrânia, iniciada há pouco mais de um ano, revelou uma pesquisa divulgada no domingo, que também mostra uma sociedade polarizada em relação a temas como a retirada das tropas do país vizinho e uma ampla falta de compreensão sobre quais seriam os objetivos da guerra.
Realizada entre os dias 2 e 9 de fevereiro, a pesquisa organizada pelo projeto independente Crônicas revela que, dos 1,6 mil russos ouvidos por telefone, 58,5% declararam algum tipo de apoio à guerra, alta de 1,5 ponto percentual em relação à última rodada, de outubro.
Ao contrário de outras sondagens convencionais, o Crônicas evita perguntas de “sim” e “não”, como por exemplo se os entrevistados apoiam ou não o conflito, e adota questões que permitem estabelecer um retrato mais nuançado de como os russos veem a guerra. Essa estratégia também é uma forma de quebrar a resistência das pessoas, que temem algum tipo de represália por parte do governo – afinal, em tempos de repressão em alta, falar demais nem sempre é uma opção segura.
O primeiro ponto fala diretamente sobre o bolso. A pesquisa de fevereiro confirma uma tendência observada em rodadas anteriores: a deterioração da situação econômica da Rússia está reduzindo a eficácia da propaganda, especialmente na TV, principal meio de informação para boa parte do país.
Em outubro, os pesquisadores constataram que o apoio à guerra entre pessoas que enfrentaram pelo menos um problema financeiro, como a perda do emprego, caiu 7 pontos percentuais. Agora a queda foi de 11 pontos. Entre os que tiveram múltiplos problemas, a queda foi de até 35 pontos percentuais.
A pesquisa considera como problemas econômicos situações como a perda de renda, a dificuldade de pagar contas, como a de luz e gás, a redução dos hábitos de consumo e o desemprego. Oficialmente, a taxa de desocupação na Rússia está abaixo de 4%, mas analistas afirmam que o número pode ter sido “maquiado” pela saída de dezenas de milhares de homens do país, seja para lutar na Ucrânia, seja para fugir da convocação para a guerra de Putin. Segundo dados do Serviço Federal de Estatísticas do Estado, a força de trabalho na Rússia, em dezembro de 2022, era de 74,9 milhões de pessoas — em dezembro de 2021, era de 75,7 milhões. Com menos pessoas no mercado de trabalho, há um número menor de desempregados.
O impacto foi maior entre aqueles que tinham a TV como principal meio de informação: para Aleksei Miniailo, coordenador do Crônicas e político de oposição, um sinal de que a geladeira vazia está falando mais alto do que os propagandistas do Kremlin.
Outro tema é a percepção sobre os objetivos da invasão. Segundo o estudo, 37% dos que apoiam a guerra não conseguiram dar uma explicação coerente para o conflito – uma parte respondeu que “Vladimir Putin sabe o objetivo”, enquanto outros dizem que a meta “é a vitória”.
“A propaganda funciona como um trem nos trilhos. Eles não podem mudar de caminho rapidamente. Então esse trem [propaganda] sai dos trilhos quando dá diferentes respostas à mesma pergunta. Isso deixa o público desnorteado porque as mesmas pessoas estão dizendo coisas diferentes e contraditórias”, afirmou Miniailo ao jornal O Globo.
De fato, desde o início da guerra, a narrativa oficial do Kremlin mudou incontáveis vezes. Dias antes dos tanques cruzarem a fronteira, Vladimir Solovyov, um dos principais propagandistas na TV, dizia que, “se movermos uma sobrancelha, tomaremos Kiev”. Nas semanas seguintes, usou seu programa na TV estatal Russia 1 para desfilar todos os tipos de teses sobre o governo ucraniano e o Ocidente, e eventualmente defender que generais responsáveis por decisões erradas fossem fuzilados.
Se por um lado o objetivo era manter o público russo unido em torno da guerra, por mais inexplicável que ela fosse, por outro, as idas e vindas causaram uma confusão constatada pelo Crônicas.
Na semana passada, uma pesquisa do Levada, um dos mais tradicionais institutos independentes de pesquisa da Rússia, apontou que 75% dos russos apoiam a chamada “operação militar especial” de Putin na Ucrânia. Embora a pesquisa do Crônicas confirme que a maior parte da população expressa seu apoio às ações do governo, ela revela que a sociedade está polarizada em algumas questões.
Uma delas é a retirada das forças russas do território ucraniano de forma antecipada e a abertura de negociações de paz, antes que os objetivos militares (seja eles quais forem) tenham sido atingidos. Neste caso, 40% dos entrevistados apoiariam tal decisão, enquanto 47% seriam contra.
No campo econômico, 47% dos entrevistados acreditam que gastos sociais deveriam ser a prioridade do orçamento da Federação Russa no atual momento, enquanto 37% dizem que os gastos militares devem ser priorizados pelo Kremlin.
Em outro trecho da pesquisa, os entrevistados puderam revelar o que diriam a Putin se estivessem cara a cara com ele. A maior parte não quis responder, e 25% afirmaram que demonstrariam seu apoio irrestrito ao homem que comanda a Rússia desde 2000 e que lidera o país em uma guerra brutal há um ano. Por outro lado, 21% afirmaram que fariam críticas à decisão de invadir a Ucrânia, às suas políticas sociais e até pediriam (2%) que deixasse o poder o quanto antes. As informações são do jornal O Globo.