Quarta-feira, 25 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 2 de abril de 2023
A manutenção de um limite para gastos no novo arcabouço fiscal, apresentado nesta semana pelo governo, é vista por especialistas como um ponto positivo, mas, diante do crescimento esperado para as despesas nos próximos anos, as metas de resultado primário estimadas pela equipe econômica só seriam atingidas se houvesse um aumento muito forte das receitas, o que, por ora, parece improvável.
Economistas chamam a atenção para o fato de que, no novo regime, as despesas nunca deixariam de crescer, diferentemente do que acontecia com o teto de gastos, que poderia forçar as despesas a ficarem ao menos estacionadas.
No novo arcabouço, o teto passaria a ter uma banda de crescimento real da despesa primária entre 0,6%, no caso de perda de receitas, e 2,5% ao ano, se houver aumento. “Com economia e arrecadação crescendo, a despesa avança. Com economia e arrecadação decrescendo, a despesa segue avançando”, diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, frisou que o intervalo de crescimento para as despesas torna a regra contra-cíclica – ou seja, possibilita ao governo poupar recursos quando a economia vai bem para gastar mais quando a atividade enfraquece.
Os parâmetros, no entanto, são assimétricos e a regra tem “viés pró-cíclico”, diz Carlos Kawall, sócio e fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional. “No pior cenário para a atividade econômica, as despesas podem avançar 0,6%, mas o limite superior no cenário mais positivo é muito elevado. Parece anti-cíclico no momento de vacas magras, mas pró-cíclico em situação favorável.”
Como as despesas não caem, mas as previsões do governo para o resultado primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros) melhoram a cada ano, economistas dizem que o ajuste aposta na ampliação da arrecadação. Nesse sentido, Leal de Barros diz que a regra não é crível e incentiva busca crescente por receitas extras, para cumprimento de preferências e promessas do governo, como ampliação de programas sociais, valorização do salário mínimo e avanço de investimentos.
“A nova regra fiscal explicitou a opção do governo por um ajuste com foco principal em aumento de receitas”, afirma Tiago Sbardelotto, economista da XP.
Para acomodar os gastos sinalizados, além de a receita precisar “surpreender muito, sempre”, será inevitável o aumento da carga tributária, diz Leal de Barros. Haddad nega medidas nesse sentido pelo lado das receitas, e Kawall também diz ver pouca disposição do Congresso e da sociedade para aceitar aumento da carga.
O arcabouço prevê trajetória do resultado primário até 2026 – neutro em 2024 e superávits de 0,5% e 1% do PIB, pela ordem, nos anos seguintes –, com banda de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo.
Para Kawall, o novo regime é “mais uma aposta em cenário macroeconômico favorável” do que uma “regra fiscal robusta”. Do ponto de vista conceitual, ele considera que “a regra é um retrocesso”. “Já vimos que funciona mal a ideia de regra restrita ao superávit primário, em razão do caráter pró-cíclico”, diz, lamentando a ausência de algum objetivo (não meta) para a dívida/PIB na nova regra.