Domingo, 15 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 4 de fevereiro de 2024
A guerra da Rússia transformou tudo na cidade de Kharkiv, incluindo a forma de viver a infância. Mísseis são disparados contra a segunda principal cidade da Ucrânia desde o outro lado da fronteira russa, que está tão perto que há poucos segundos para detê-los.
Se eles forem direcionados para Kharkiv, a probabilidade de caírem é grande – e são poucas as chances de alcançar um abrigo em tempo. Os prédios das escolas e dos jardins de infância estão fechados há quase dois anos por medida de segurança, e os playgrounds estão vazios.
Agora, à medida que a guerra em grande escala se aproxima de seu terceiro ano, partes da vida em Kharkiv estão migrando para o subsolo.
No fundo do metrô, salas de aula foram construídas de forma paralela às plataformas em cinco estações. Autoridades locais começaram a oferecer as aulas subterrâneas há vários meses. Mais recentemente, adicionaram horários para crianças da pré-escola nos fins de semana.
Para Nika Bondarenko, de 6 anos, é uma oportunidade de estar com outras crianças novamente. Depois de dois anos estudando online, ela vai saltitante para sua estação de metrô vestindo galochas cor-de-rosa.
O trajeto passa pelas ruínas bombardeadas de escritórios militares, destruídos no início da invasão e localizados em frente à sua casa. Há vidros quebrados e prédios despedaçados por toda parte.
Mas quando Nika está no trem, indo para a aula, sua mãe pode parar de se preocupar.
“Os pais podem ter certeza de que nada vai acontecer com seus filhos e que uma criança pode continuar sua vida mais ou menos normal”, explica Olha Bondarenko.
Kharkiv agora oferece cerca de 700 vagas de jardim de infância no subsolo para crianças de até 6 anos. O total de alunos que frequenta aulas escolares no mesmo espaço é três vezes esse.
Alguns perderam os pais na luta, ou viveram em áreas sob fogo pesado, e precisam de apoio extra dos psicólogos junto aos professores.
No dia em que visitamos, há música, movimento e muitas risadas. Um grupo pré-escolar está vestido como médicos e enfermeiros; outros estão cantando e brincando com tijolos de plástico.
Normalidade
A equipe fez de tudo para tornar as coisas o mais normal possível.
Nas paredes, ao lado de imagens coloridas de flores e lagartas gigantes, há cartazes sobre o perigo das minas. Mas quando as sirenes tocam alertando para mísseis, ninguém precisa se mexer.
A família Bondarenko fugiu de sua cidade no início da guerra, quando as tropas russas estavam pressionando para tomar Kharkiv e o bombardeio era constante.
Milhares de famílias estavam vivendo no metrô naquela época. Em março de 2022, a equipe da BBC reportou a presença de senhoras idosas dormindo em vagões de trem e bebês nas plataformas com seus pais.
Quando as forças russas foram forçadas a recuar, em setembro, a cidade voltou a respirar mais aliviada e Olha e seus filhos voltaram para casa.
O marido dela está no Exército. Para ela, estar em Kharkiv significava ficar perto dele.
Quando pergunto à irmã de Nika se ela tem medo dos ataques aéreos, Viktoria balança a cabeça. “A sirene significa que um míssil pode atingir, ou não. É 50-50. Você só precisa acreditar que tudo ficará bem.”
Ela tem 11 anos.
Planos
“Precisamos de sistemas modernos de defesa aérea. Se os mísseis estão atingindo agora, isso significa que não temos o suficiente”, argumenta o prefeito Ihor Terekhov.
Mas mesmo os sistemas ocidentais mais atualizados teriam dificuldades com tamanha proximidade.
A intensidade dos ataques aéreos aumentou desde dezembro e a escola no metrô está enchendo de crianças. Assim, a cidade começou a preparar estruturas subterrâneas mais permanentes.
No distrito de Industrialny, gravemente danificado por ataques de mísseis, uma nova escola inteira ganha forma debaixo de uma quadra esportiva.
As salas de aula serão instaladas cinco metros abaixo da superfície, com capacidade para 900 alunos em dois turnos. Por enquanto, é uma estrutura que ainda passar por reforma, com construtores soldando, rebocando e martelando por todos os lados.
O chefe da construção me contou que, antes da invasão, sua empresa construiu um novo zoológico e redesenhou um parque central. “Agora estamos fazendo isso”, diz, dando de ombros.
A construção da escola subterrânea o lembra dos bunkers nucleares construídos nas fábricas soviéticas durante a Guerra Fria.
“Eu realmente não quero que nos mudemos para o subsolo. Essa é uma medida de segurança forçada”, explica o prefeito, durante uma inspeção no local.
A escola deve estar pronta até o final de março, embora o prazo pareça otimista.
O prefeito planeja estruturas semelhantes em todos os distritos. É um grande investimento.
“Os mísseis usados com mais frequência para arruinar nossa cidade levam 40 segundos para chegar aqui”, aponta Terekhov. Não é tempo suficiente para evacuar uma escola normal.