Quarta-feira, 18 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 28 de fevereiro de 2024
O Brasil registrou, em 2023, cerca de 25 mil processos por “erro médico” – ou danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde, denominação que passou a ser adotada neste ano pelo Judiciário. O volume representa alta de 35% em relação a 2020, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nos últimos quatro anos foram 91 mil ações. Os pedidos de indenização são altos e tendem a se concentrar no setor privado, onde as condenações são maiores e estão 70% dos processos.
Estudo com dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) analisou 4,5 mil processos por “erro médico” e encontrou pedidos de R$ 16 milhões em indenizações por danos morais entre 2020 e 2022, chegando a um valor médio R$ 35 mil por cada processo.
O Judiciário deixou de adotar o termo “erro médico” porque entidades que representam a categoria alegaram que, com base na Tabela Processual Unificada, que traz as classificações processuais, envolveria também processos apresentados contra hospitais (públicos e privados) e profissionais de outras categorias da saúde.
Advogados especializados em saúde reconhecem um aumento no número de casos desde a pandemia da covid-19, com ações desse tipo atraindo novas gerações de advogados e profissionais egressos de outras áreas. Os processos, afirmam os especialistas, são considerados complicados, caros, demorados e de alto risco, mas viáveis em muitos casos.
Nos Estados Unidos, processos por “erro médico” são um filão tradicional na advocacia e tratados como uma espécie de investimento. Escritórios anunciam serviços fazendo estimativas de custo e benefício: gasto inicial entre US$ 50 mil e US$ 100 mil e indenização final entre US$ 250 mil e US$ 400 mil. Uma pesquisa publicada pela revista Health Affairs em 2010 calculou em US$ 55 bilhões o volume pago por erro médico nos EUA, 2,4% do custo do sistema de saúde.
No Brasil, as limitações à propaganda da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) evitam campanhas ostensivas de captação de clientes ao estilo americano, mas o tema não deixa de preocupar. Grandes hospitais investem em “compliance médico” e protocolos de prevenção. Uma das iniciativas é o “Prêmio Júlia Lima”, lançado pelo Hospital Albert Einstein em 2019 – cujo nome é uma homenagem a uma vítima de erro médico -, para estimular boas práticas e segurança do paciente.
Segundo Henderson Fürst, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB, iniciativas como a do Einstein estão na vanguarda e visam reduzir não só a judicialização, mas crises de imagem associadas. Contudo, ainda há hospitais que fazem cálculos de custo-benefício e deixam a conta do “erro médico” na mão de seguros de responsabilidade civil. “Muitos médicos não estão preparados para fazer compliance e reduzir riscos”, diz.
Fürst vê mudanças nos últimos anos, com mais ações, advogados iniciantes no ramo e técnicas de captação de clientes vendendo a ideia de dinheiro fácil por erros comuns – como falta de assinatura do “termo de consentimento” (autorização para a realização de algum procedimento). Mas de modo geral, Fürst acredita que os processos são motivados por uma insatisfação do paciente com o resultado do procedimento e falta de comunicação adequada. O problema, para Füst, é falta de diálogo entre médico e paciente.
“Muitas vezes o paciente quer é expressar uma insatisfação, quer desabafar, falar com o médico. Chama de erro médico, mas na verdade não houve um problema”, diz o advogado. Em muitos casos é comum depois da audiência o hospital fechar um acordo por um valor simbólico.
Outro elemento que contribui para a expansão da litigiosidade é o volume enorme de incidentes ocorridos no sistema de saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) coleta há alguns anos dados de “incidentes relacionados à saúde”, com informações sobre falhas na assistência à saúde, erros em procedimentos e outros problemas. O resultado é de 342 mil notificações por ano.
Um levantamento feito pelo advogado Victor Vieira, da empresa de pesquisa em jurisprudência e jurimetria Juit, reuniu 4,5 mil decisões sobre “erro médico” do TJSP e encontrou um cenário, ainda assim, mais favorável às instituições médicas. “A conclusão mais importante é de que as instituições de saúde têm uma taxa de provimento de seus recursos maior do que os pacientes. O Judiciário tende a ser mais simpático às instituições de saúde”, afirma Vieira.
As indenizações mais altas chegam a valores entre R$ 250 mil e R$ 300 mil, mas no extremo oposto há valores como R$ 1 mil e R$ 250. O valor intermediário entre a condenação mais alta e a mais baixa fica entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. A pesquisa constata que a segunda instância da Justiça paulista tende a reduzir o valor das condenações mais do que aumentar. As informações são do jornal Valor Econômico.