Sábado, 17 de maio de 2025
Por Dartagnan da Silva Zanela | 17 de maio de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Inovar [tecnologicamente] não é educar. É apenas usar uma traquitana nova para não parecer retrógrado aos olhos modernosos dos outros.
Sim, é claro que inovar, em si, não é algo ruim, nem malévolo. Claro que não. Agora, colocá-lo como se fosse o centro da vida, como se fosse o trem mais importante do mundo é, no mínimo, uma baita de uma imprudência.
Pior! Tratar a inovação como se fosse a pedra angular da educação é uma atitude, no mínimo, inconsequente.
Explico-me. A cada dia que passa, sem nos darmos conta, muitos de nós estão projetando inúmeras de suas funções cognitivas em brinquedinhos eletrônicos e, ao fazer isso, não há dúvidas de que estamos tomando posse de uma ou de outra habilidade nova, porém, às custas de um punhado de deficiências que adquirimos, involuntariamente, junto com o pacote.
Os exemplos desse problema não são poucos, infelizmente. Por isso, peço licença para “chegar chegando” e apresentar apenas uma ou outra situação que, a meu ver, são bem perceptíveis, para não dizer gritantes.
O primeiro refere-se ao comportamento ansioso que, dia após dia, vem tomando conta de inúmeras almas, pueris e senis, deixando-as inquietas e agitadas e, consequentemente, limitando a sua capacidade de captar informações, de processá-las, de expressar o que foi captado e de dizer como foram processadas em nossa cumbuca.
Somos o tempo todo assaltados por informações de toda ordem e de toda e qualquer qualidade, numa velocidade muitíssimo além da potência “do motor” da nossa inteligência e imaginação. Tal velocidade, por sua deixa, vai fomentando em nosso íntimo uma expectativa de que tudo, para ter algum valor e receber um cadinho da nossa atenção, deve ser atraente e de acesso fácil como tudo o que nos é ofertado pelas mídias digitais e, é claro, ser fácil e rapidamente processado por nosso HD orgânico.
Ou seja, meu caro Watson, essa volúpia gerada pelo excesso de informações, que praticamente tornou-se, em muitos casos, uma forma de esquizofrenia digital, acaba por desestimular-nos a querer conhecer qualquer coisa que, num primeiro momento, apresente algum grau de dificuldade, por mínimo que seja.
Logo, se algo não pode ser compreendido na velocidade de um story, acaba não merecendo a nossa atenção que, a cada dia que passa, torna-se mais deficitária [como se algo pudesse ser realmente compreendido nesta velocidade].
Pior! Ao mesmo tempo em que não se compreende praticamente nada nessa velocidade, tem-se a sensação de estar empapuçado de informações, feito um moleque travesso que se entupiu de guloseimas antes do almoço.
O outro caso, por sua deixa, é a abdicação ou, no mínimo, a mutilação de nossa capacidade de escolher, selecionar e classificar que, por sua vez, acaba empobrecendo miseravelmente a nossa capacidade de investigar e, consequentemente, de avaliar, diagnosticar, organizar e assim por diante.
Tal mutilação ocorre devido ao uso indiscriminado que fazemos dos algoritmos que, é claro, são ferramentas muitíssimo importantes, mas que acabam fazendo as vezes de inúmeras de nossas funções cognitivas.
Hoje não mais fazemos pesquisas; são eles que fazem isso por nós. Eles organizam nossas listas de músicas, indicam as séries e filmes que gostaríamos de ver, nos ajudam a marcar encontros amorosos, nos orientam pelas estradas e por aí segue o andor.
Pior! Ao final, acabamos por depositar uma confiança desmedida nessas ferramentas e isso, creio eu, não é algo desejável.
Ora, ninguém nega que as inovações tecnológicas são extremamente úteis. Quer dizer, sempre tem um e outro loque. Porém, também não podemos querer tapar o sol com o iPhone e dizer que o uso imoderado e inconsequente destas ferramentas em nossa vida não está deixando um rastro [nada] sutil de destruição na inteligência humana.
Enfim e por fim, todas as inovações podem ser boas desde que os indivíduos sejam educados para tornarem-se pessoas e não apenas adestrados para serem um reles apêndice de um aparelho eletrônico porque, vale lembrar, somos mais que um simples acessório orgânico para uma máquina. Muito mais mesmo.
(Dartagnan da Silva Zanela – professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de “A QUADRATURA DO CÍRCULO VICIOSO”, entre outros livros – dartagnanzanela@gmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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