Sexta-feira, 27 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de junho de 2025
A bióloga Mariana (nome fictício), hoje com 40 anos, recebeu o diagnóstico de transtorno de personalidade borderline (TPB) aos 27. Na época, vivia um relacionamento difícil, que despertava emoções intensas – e foi justamente isso que a motivou a buscar ajuda médica. “Era tudo à flor da pele. Eu percebia que não era normal, porque me tirava completamente do eixo”, lembra. “Cheguei a um ponto em que não conseguia mais trabalhar, precisei me afastar. Achava que estava com depressão, talvez ansiedade. E foram esses, inclusive, os primeiros diagnósticos que recebi.”
Entre as emoções mais difíceis de manejar, o medo de abandono ocupava um lugar central — e se intensificava diante de um parceiro que evitava compromissos, mas queria ter controle sobre a relação. “Foi uma espécie de kriptonita”, conta. “Ele se aproveitava do meu medo, e isso me desestabilizava a ponto de eu não conseguir cumprir tarefas simples do dia a dia. Eu ficava presa naquela sensação de que seria abandonada.”
Além disso, Mariana já havia passado por tentativas de suicídio e possuía outras características marcantes do transtorno: impulsividade, mudanças bruscas de humor, intensidade emocional e dificuldade de separar o que sente do que faz. “Se meu cachorro fica doente, por exemplo, isso impacta meu trabalho. Não tem como. Eu não consigo ser essa pessoa que deixa a emoção de lado. E isso me frustra, porque, às vezes, eu queria estar 100% presente.”
Foi em 2013, durante uma conversa com um colega psicólogo, que surgiu a primeira pista de que seu quadro poderia estar relacionado ao transtorno borderline. Apesar dos diagnósticos de depressão e ansiedade, ainda parecia faltar uma peça. “Na época, eu só queria dar um nome para tudo aquilo”, lembra. “Nunca esqueci do que o psiquiatra me disse naquele dia: ‘Esse diagnóstico é seu, você não precisa sair contando por aí’. Hoje, entendo que era um conselho de cuidado. O borderline ainda é muito mal representado, cheio de estereótipos. Costumam mostrar como alguém manipulador, explosivo… Mas não é bem assim. Pode até acontecer, mas cada pessoa vive o transtorno de um jeito.”
Uma das características que ela reconhece em si mesma é a tendência a enxergar tudo em extremos. Com isso, pequenas decepções podem ganhar uma proporção desmedida. “Eu achava que odiava uma pessoa de verdade, mas depois me perguntava: será que ela merece tudo isso, ou sou eu vendo tudo em preto e branco de novo?”. Essa capacidade de questionar veio depois do diagnóstico. Antes, era só emoção. “É um turbilhão que te leva, e você só sente. Depois do diagnóstico, você aprende a frear: parar, respirar, consultar a realidade. É isso mesmo ou é meu transtorno falando mais alto?”.
Por outro lado, ela acredita que essa sensibilidade também faz com que muitas pessoas com transtorno borderline sejam, na verdade, pessoas muito empáticas. “A maioria de nós cresceu em ambientes caóticos, e isso fez com que a gente aprendesse a observar tudo. Um tom de voz, uma expressão facial, um corpo mais fechado… São pessoas sensíveis às sutilezas da comunicação, sabem quando o outro não está bem, se tem algo incomodando, porque tiveram que aprender a ler os outros como forma de proteção.”
Com o tempo, ela também entendeu que certos tipos de vínculo, especialmente os instáveis ou ambíguos, podem funcionar como gatilhos. Não à toa, resolveu ficar um tempo longe das relações amorosas. “Quando um relacionamento vai mal, ele implode tudo: trabalho, sono, saúde. Hoje em dia, eu simplesmente reconheço que não dá, que há coisas mais importantes para serem cuidadas.”
No filme “Garota, Interrompida”, a personagem Susanna, interpretada por Winona Ryder, está sentada em um hospital psiquiátrico quando ouve, pela primeira vez, o diagnóstico de borderline. “Borderline entre o quê e o quê?”, ela questiona o médico. A dúvida reflete o próprio significado do termo: “borderline” significa “limítrofe” — ou seja, algo que está entre dois estados.
Por muito tempo, acreditava-se que o TPB ocupava um lugar “no meio do caminho” entre a neurose e a psicose. Ou seja, não se encaixava claramente nem nos quadros neuróticos (como ansiedade e fobias) nem nos psicóticos (como a esquizofrenia). Era visto como um transtorno que ficava na fronteira imprecisa entre o controle e o descontrole da mente.
“Hoje, sabemos que essa é uma visão ultrapassada”, afirma o psiquiatra Erlei Sassi, coordenador do Ambulatório de Transtornos de Personalidade e do Impulso do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP. Segundo ele, trata-se de uma condição bem definida, com critérios e manifestações clínicas consistentes, ainda que complexas.
Para chegar ao diagnóstico, a psiquiatria considera nove critérios. Se a pessoa apresenta pelo menos cinco deles, o transtorno pode ser identificado. Um dos mais comuns é o medo intenso de abandono.
“O que a gente mais vê são pessoas que acreditam que não vão conseguir viver sozinhas. Elas buscam alguém que represente segurança, um porto seguro. Pode ser um parceiro, uma parceira… Às vezes, esse vínculo simbiótico é com a mãe. É aquele filho que não consegue se afastar, que reclama do controle, mas ao mesmo tempo espera que ela resolva tudo. No fundo, é isso: um medo muito grande da solidão”, explica a psiquiatra Fernanda Martins, também coordenadora do ambulatório no IPq.
Esse padrão tende a se intensificar no início da vida adulta, quando surgem os primeiros relacionamentos afetivos mais sérios — e, por isso, é comum que o diagnóstico aconteça nessa fase. “É frequente que, ao começar uma relação, a pessoa sofra só de imaginar a possibilidade de rejeição. Se o outro demora a responder uma mensagem, isso pode ser interpretado como desinteresse. Convida para sair e a pessoa diz que não pode? Pronto, vem a certeza de que aquilo não vai dar certo. E, às vezes, para não correr o risco de ser deixada, ela termina antes, na tentativa de se proteger do abandono que imaginou.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.