Quinta-feira, 09 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de outubro de 2025
Hostel em Londres: custo fica em torno de R$ 3.675 mensais, bem abaixo de um apartamento.
Foto: ReproduçãoO turno do restaurante onde o brasileiro Igor Oliveira, de 29 anos, trabalha em Londres, no Reino Unido, termina por volta das 22h. Sua função é limpar o fogão e deixar a cozinha pronta para o dia seguinte. O trabalho é exaustivo, e ele mal espera para descansar no albergue onde vive há três anos, dividindo o quarto com nove pessoas. Para chegar à cama, caminha por um corredor estreito cercado por beliches. As mochilas ficam empilhadas sob as camas ou penduradas nas paredes. Já deitado, sabe que a noite será longa: o quarto se transforma em uma sinfonia de roncos, celulares vibrando e passos de quem chega tarde.
Igor é um dos muitos brasileiros afetados pela crise habitacional na Europa — que forçou estrangeiros a transformar acomodações temporárias em residências permanentes, diante da escassez e do alto custo de aluguéis.
“Eu não tenho passaporte europeu para alugar apartamento aqui, então teria que pagar um ano adiantado ou conseguir um fiador britânico, o que é quase impossível”, explica. Ele paga £500 mensais (cerca de R$ 3.675) pelo hostel onde mora.
O carioca Guilherme Oliveira, de 28 anos, embarcou recentemente para Paris. Vai cursar mestrado e procurar trabalho em uma galeria de arte. “Tenho poucas reservas financeiras. O que tenho cobre a mensalidade do hostel, de €350 (R$ 2.205), o que para Paris é baixíssimo.”
Após pesquisa, encontrou “apartamentos divididos, com um quarto”, entre €600 e €650 mensais, mas com exigência de caução e taxas de imobiliária equivalentes a um mês de aluguel.
Em 2024, os preços da habitação em Portugal subiram 9,1%, quase três vezes a média europeia de 3,3%, segundo o Eurostat. Na União Europeia, 10,6% das famílias urbanas gastam mais de 40% da renda com moradia, e 896 mil pessoas vivem nas ruas. Em Portugal, entre as quase 11 mil pessoas em situação de rua, 10% são estrangeiros.
O hostel onde Guilherme ficará é informal, administrado por um brasileiro. “É um quarto com dois beliches. Ficam no máximo quatro pessoas.”
Para Isadora Guerreiro, professora de Planejamento Urbano da FAU-USP e coordenadora do LabCidade, há uma mudança geracional na relação com a moradia. “A moradia temporária virou o básico das gerações mais novas, que não têm mais a perspectiva da casa própria e da estabilidade. As redes de sociabilidade também deixaram de ser geográficas e se tornaram virtuais.”
Entre os fatores da crise, especialistas apontam o impacto de plataformas como o Airbnb. A União Europeia aprovou novas regras, válidas a partir de 2026, exigindo registro formal e compartilhamento de dados com autoridades locais.
Segundo Guerreiro, “plataformas como o Airbnb conectam os mercados imobiliários do mundo inteiro. O aluguel deixa de refletir o que a comunidade pode pagar e passa a seguir um padrão internacional”.
Algumas cidades adotaram restrições: “Berlim só permite alugar a residência principal; Amsterdã limita a 30 dias por ano e cobra taxas; Barcelona decidiu proibir totalmente os aluguéis turísticos a partir de 2028, após aumento de quase 70% nos preços”, explica Sousa.
No caso dos brasileiros, somam-se a burocracia, a discriminação de locatários e a ausência de histórico de crédito europeu. Para Guerreiro, o problema vai além do valor dos aluguéis. “Os aluguéis estão caros na Europa, mas não é que estejam baratos aqui. Se a pessoa aceita viver de forma provisória em outro país, mesmo com incertezas, é porque a situação no Brasil também é ruim — a ponto de valer o risco de uma vida frágil social e politicamente.”
(Com O Globo)