Domingo, 05 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 23 de março de 2018
O rastro da campanha difamatória nas redes sociais contra Marielle Franco, assassinada na semana passada, aponta que um site de opinião política ampliou de forma decisiva a repetição de falsas acusações contra a vereadora do PSOL. Dados colhidos pelo Labic (Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura) da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e uma investigação feita pelo Globo traçaram o caminho das fake news de maior repercussão sobre o assunto. Até a noite de quinta-feira, o link do Ceticismo Político havia sido compartilhado mais de 360 mil vezes no Facebook, ocupando o primeiro lugar entre as publicações que abordaram o boato da ligação da vereadora com o crime organizado – seja de maneira difamatória ou em tentativas de rebater a acusação.
No dia seguinte ao crime, boatos começaram a se espalhar em grupos de WhatsApp por meio de textos, áudios e memes. Por volta do meio-dia de sexta-feira, apareceram os primeiros tweets relacionando Marielle ao traficante Marcinho VP e à facção Comando Vermelho. Quatro horas mais tarde, o site Ceticismo Político publicou um texto que teve papel fundamental na disseminação das falsas acusações. O link foi divulgado no Facebook, e, pouco depois, o MBL (Movimento Brasil Livre) replicou a mensagem, ampliando ainda mais a repercussão.
No Twitter, em três dias (entre sexta-feira passada e o último domingo), a informação divulgada pelo site gerou mais de um milhão de impressões – um conceito que leva em conta o número de vezes que a mensagem aparece na linha do tempo dos usuários do microblog. A rede de boatos formada no Twitter no dia em que o Ceticismo Político publicou seu texto envolveu cerca de 4 mil usuários, segundo o Labic.
O Ceticismo Político usou como base uma reportagem da colunista Mônica Bergamo, do jornal “Folha de S. Paulo”, sobre um comentário de uma desembargadora publicado no Facebook a respeito de boatos que circulavam no WhatsApp. O texto publicado pela “Folha” citava o que havia sido escrito pela desembargadora e informava que um grupo de advogados tinha se mobilizado para que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) se pronunciasse sobre o caso. O Ceticismo Político, no entanto, subverteu o texto original e deu um novo título: “Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é ‘cadáver comum’”. Ao citar a reação dos advogados, o site afirmou que se tratava de uma manifestação da “extrema esquerda”.
“A publicação do Ceticismo Político foi a que teve a maior influência no debate”, disse o pesquisador Fábio Malini, coordenador do Labic e autor do levantamento.
Interações com o MBL
O Ceticismo Político é um site administrado por Luciano Henrique Ayan – não há fotos de Ayan nem referências a esse nome em bancos de dados públicos. O MBL afirma que não é responsável por administrar o perfil de Ayan e que não o conhece, mas interações nas redes sociais entre o grupo e o responsável pelo site evidenciam a proximidade. Quatro horas depois de o Ceticismo Político lançar a suspeita sobre Marielle, o MBL replicou a publicação no Facebook, com um comentário igual ao da publicação original: “Isso é complicado. Bem complicado…”. Antes de ser apagada, a publicação havia alcançado 33 mil compartilhamentos.
Em 2016, no Facebook, o MBL publicou um post em que divulgava um texto de Ayan escrito para o blog do grupo. No Twitter, o MBL já replicou mensagens de Ayan, e o núcleo do grupo em Campinas republicou uma postagem em que Ayan criticava o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, por ter pedido a quebra de sigilo bancário do presidente Michel Temer. Em outubro do ano passado, um dos integrantes do grupo endossou uma mensagem de Ayan que divulgava uma proposta para acabar com a Lei Rouanet.
O Globo então perguntou ao MBL por que o grupo publica conteúdos de Luciano Ayan mesmo alegando não conhecê-lo: “Porque a gente prefere compartilhar o que bem entende e prefere acreditar na mídia independente do que no Globo”, respondeu Renato Battista, um dos coordenadores do grupo.
Luciano Ayan tem o domínio ceticismopolitico.org desde novembro de 2017. O site está registrado por uma empresa com sede na Dinamarca, usada para manter oculto o nome verdadeiro do proprietário do domínio. Ayan já usou o artifício em outras ocasiões. Antes, ele manteve o Ceticismo Político com outro endereço – o ceticismopolitico.com. Na ocasião, o domínio estava registrado por uma empresa do Canadá, também usada para esconder o proprietário real do site.