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Colunistas A Era de Ouro do Surf: memórias de uma geração que não surfou apenas ondas, mas a própria vida

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Foi uma era que moldou caráter, criou irmandade e deixou histórias que não se contam, só se sentem

Foto: Divulgação
Foi uma era que moldou caráter, criou irmandade e deixou histórias que não se contam, só se sentem. (Foto: Divulgação)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Houve um tempo, e não faz tanto assim, em que ser surfista não era estética.
Era alma.

Era acordar antes do sol, ainda com gosto de caipirinha na boca, preparar uma boa xícara de café e curtir o alvorecer, enquanto observávamos as gotas de orvalho evaporarem na relva.

O corpo moído, mas a alma leve, e, mesmo assim, prontos para correr para o mar como quem reencontra a própria vida.

Nos anos 80, a galera do surf tinha um código próprio, quase secreto, meio tribal: o “hang loose” levantado sem pensar, os ciúmes bobos dentro da turma, as gírias que só a praia entendia, as brincadeiras eternas, a parafina grudada nos cabelos, as guerras de ego que duravam cinco minutos e se dissolviam numa encarada seguida de um abraço e um mergulho gelado.

A gente não tinha nada. E, ao mesmo tempo, tinha tudo… Não existia essa divisão besta entre rico e pobre: existia a galera do surf. Um bando de jovens queimados de sol que se ajudava até no que não tinha.

Roupa de borracha? Cara pra caramba. Então, um emprestava para o outro, mesmo sabendo que ia voltar meio rasgada e com aquele cheirinho de mar misturado com suor.

Capa de prancha? Imagina. Para quem não tinha condições, o jeito era encapar a prancha num cobertor velho, amarrar tudo com fio de nylon de varal e seguir a vida com fé.

Era uma época em que amizade valia mais do que equipamento. E quando o inverno apertava, às vezes era “no pelo” mesmo que a gente entrava no mar gelado, porque o surf chamava mais alto do que o frio.

E a música… Ah, a música. Men At Work, Australian Crawl, Hoodoo Gurus, Midnight Oil, Spy vs Spy, The Outfield… O som que moldava a alma da nossa geração.

Música que fazia sentido com o sol na pele, com o vento sul na cara, com as noites de luau onde a galera se reunia com a mulherada e vivia romances leves, livres e sinceros, daquele tipo que não machuca, só marca…

A gente copiava as músicas um para o outro na força da fita K7, nos aparelhos de dois decks, como se estivesse passando adiante um tesouro. Era uma joia que circulava de mão em mão, carregando histórias, risos e uma trilha sonora que parecia nossa para sempre.

A madrugada era regada a caipirinha e vinho barato. E, no dia seguinte, a gente acordava novo, inteiro, pronto pro mar. Massa com sardinha no prato e alma em dia.

E tinha algo que hoje está raro, se é que ainda existe: respeito à própria tribo. Ninguém levantava capô de carro com som estourado. Quem fizesse isso era taxado de magal, paneleiro, calhorda, alguém sem o verdadeiro espírito do surf.

Surfista de verdade era de alma, como no filme O Surf no Havaí (1987), nossa bíblia não escrita.

Era só a nossa música. A nossa vibe. A nossa tribo. O nosso tempo. Tempo limpo, sem maldade, sem pose, sem essa correria maluca de hoje.

Os poucos registros vinham de máquinas descartáveis Love, ou para os privilegiados, câmeras que valiam quase um carro. Mesmo assim, a maior parte daquela época vive só na memória. E, talvez por isso, ela seja tão preciosa.

Foi, sim, uma era de ouro. Uma era que moldou caráter, criou irmandade e deixou histórias que não se contam, só se sentem.

Naqueles tempos, a gente andava com sorriso largo, cheirinho de sal na pele, parafina no cabelo e as ondas guardadas no coração. Hoje, aquela turma que foi adolescente nos anos 80 e 90 já passou dos 40…

Cada um seguiu seu rumo: viramos advogados, empresários, jornalistas, vendedores, engenheiros, empreendedores.

Alguns ainda surfam. Outros, como eu, não precisam mais entrar no mar para sentir o surf por dentro. Porque aquela época ficou guardada num canto especial da memória, como um tesouro que ninguém rouba.

E, quando a gente se reencontra, mesmo que seja por mensagem, é como se o tempo abrisse uma porta invisível e a gente voltasse para aquele mesmo lugar, com o mesmo vento, a mesma luz, a mesma verdade e liberdade.

Aquele período mágico que jamais será esquecido. A era de ouro que o tempo não ousou apagar e que ficará para sempre marcada em nossos corações.

* Fabio L. Borges, jornalista e cronista gaúcho

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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