Domingo, 11 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 17 de fevereiro de 2024
À espera de um pacote de socorro do governo e ainda afetadas pela turbulência nas finanças causada pela pandemia, as companhias aéreas estão voltando as atenções para um problema antigo do setor, mas que passou a pesar mais nas contas: o nível alto de judicialização no País.
Nos cálculos da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), as três principais empresas — Gol, Latam e Azul — são obrigadas a reservar (provisionar) R$ 1 bilhão ao ano para honrar decisões judiciais.
O volume abrange desde processos motivados por aspectos de responsabilidade direta da empresa, como falhas na gestão ou no atendimento, até questões que fogem ao controle, como impacto de tempestades no funcionamento de um aeroporto, com atraso nos voos.
O tema chegou à Justiça de Nova York e é citado no processo de recuperação da Gol. A companhia provisiona R$ 420 milhões por ano para processos judiciais em geral, incluindo trabalhistas e fiscais.
Deste total, 65%, cerca de R$ 270 milhões, seriam relacionados a ações movidas por consumidores. No documento, a Gol afirma que não é capaz de mensurar quantos processos estão em curso diante “do número esmagador de reivindicações”.
Segundo a Latam, desde a pandemia, a judicialização tem aumentado. Só em 2023, o volume de processos contra a empresa cresceu 33% em relação ao ano anterior. Na comparação com 2019, antes da pandemia, a alta é de 37%. Nos cálculos da empresa, o gasto com processos é de R$ 350 milhões por ano. Considerando o número de passageiros, é como se cada bilhete embutisse R$ 10 em ações judiciais.
Menos voos para o Norte
Ainda sem respostas sobre a origem do problema, o volume de processos já causa impacto na malha aérea das empresas. Em Rondônia, Gol e Azul reduziram voos com o argumento de um volume desproporcional de ações no estado. Só a Azul foi alvo de 15 mil processos entre janeiro de 2022 e junho de 2023.
“Decisões judiciais têm ampliado os deveres das companhias aéreas para além do que é previsto pela regulação”, afirma a presidente da Abear, Jurema Monteiro.
Um levantamento da Iata comparou o volume de ações das companhias estrangeiras em seus países e no Brasil. Antes da pandemia, empresas como Delta, United e American Airlines eram alvo de uma ação de indenização para cada 1,2 milhão de passageiros transportados nos EUA.
No Brasil, as três companhias enfrentam uma ação para cada 227 passageiros transportados. Executivos do setor afirmam que o quadro no Brasil se agravou desde a pandemia.
Na Latam, a operação brasileira responde por mais de 98% dos processos do grupo, apesar de ser responsável por 50% dos voos.
Em nota, a Azul destaca que, segundo dados da Iata, o Brasil representa 2,7% dos voos de todo o mundo, mas cerca de 98,5% das ações judiciais contra empresas aéreas.
Explicação
Segundo o Instituto Brasileiro de Direito Aeronáutico (Ibaer), a explicação para o volume de processos descolado de outros mercados está em um entendimento jurídico preponderante nos tribunais do país de que falhas na prestação de serviço no setor aéreo geram dano moral presumido. Isso significa que não importa a motivação, o próprio fato — no caso, atraso ou cancelamento de voo — gera dano moral.
No resto do mundo, predomina o entendimento de que o dever primário da companhia aérea é zelar pela segurança operacional, ou seja, a empresa não é punida por questões que fogem ao seu controle, como fechamento de aeroporto por fator meteorológico.
“Ninguém está falando que não se pode processar por dano moral. Mas o que acontece no Brasil é como um cheque em branco. Atrasou, vale indenização”, explica Ricardo Bernardi, presidente do Ibaer.
O ambiente favorável no Judiciário levou ao surgimento de sites especializados em mover processos contra as empresas. Alguns oferecem até R$ 1 mil para adquirir direitos de consumidores que tiveram problemas com voos cancelados. Se ganham a ação, esses sites costumam embolsar algo entre R$ 8 mil e R$ 15 mil.
A Abear tem atuado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para tentar coibir a atuação deles. Desde 2019, 46 sites foram desativados pela Justiça. Outros 19 seguem operando.