Sábado, 18 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 25 de outubro de 2018
Enquanto o Vaticano enfrenta o crescente escândalo de abusos sexuais e a redução do número de padres em todo o mundo, inicia uma discussão formal sobre uma questão que é um antigo tabu: abrir o sacerdócio para homens casados em partes do mundo onde o clero é escasso.
O papa Francisco convocou uma reunião de bispos sul-americanos para o próximo ano a fim de discutir as dificuldades da Igreja Católica na Amazônia, um vasto território servido por muito poucos padres. Durante esse sínodo, a questão de ordenar homens casados de virtude comprovada – os chamados viri probati – deverá estar na agenda.
Nesta semana, um documentário de duas horas na televisão italiana deve contribuir para o debate. “A Escolha: Padres e Amor” traz o perfil de mais de uma dúzia de homens em quatro países europeus que vivem clandestinamente com mulheres ou criaram suas próprias comunidades eclesiásticas não sancionadas, onde padres casados oficiam a missa ou deixaram a Igreja Católica para se casar.
O documentário defende a tese de que muitos desses homens gostariam de retornar ao sacerdócio e oferecer seus serviços pastorais. Sua dificuldade encontrou um ouvido simpático em Francisco, que há muito manifestou a disposição a considerar viri probati para enfrentar as necessidades pastorais na Amazônia. Ele também expressou simpatia pelos padres que fizeram a escolha angustiante de sair.
A associação italiana Vocatio, formada por padres casados, escreveu a Francisco, no início deste mês, professando sua solidariedade enquanto ele enfrenta as consequências globais do escândalo de abusos sexuais, e mais uma vez oferecendo seus serviços no ministério.
“Gostaríamos que o senhor levasse em consideração – sem preconceito ou falsidade – a oportunidade de nos permitir uma presença ativa na atividade diocesana, diante de nossa experiência e competência nos sacramentos que vivemos: ministério e matrimônio”, escreveu o grupo.
O chefe do Vocatio, o ex-padre Rosario Mocciaro, que se casou no civil em 1977, calcula que haja cerca de 5.000 homens só na Itália que deixaram o sacerdócio, um terço dos quais gostariam de voltar ao ministério casados, se for permitido. Ele disse que tem esperança no progresso sob Francisco e alguns bispos simpáticos porque eles trouxeram um novo ar e atmosfera ao velho problema.
“A possibilidade de ter viri probati seria uma grande abertura, um grande passo à frente”, disse Mocciaro, acrescentando que começaria a sensibilizar a igreja e a opinião pública para a perspectiva de um sacerdócio casado ou celibatário.
O celibato sacerdotal é uma tradição no rito latino da Igreja Católica desde o século 11; nenhuma doutrina o exige, e muitas Igrejas Católicas do rito oriental permitem que homens casados sejam ordenados. Além disso, a Igreja Católica permite que clérigos casados da Igreja Anglicana que se convertam ao catolicismo continuem no ministério sacerdotal.
Francisco diz há muito tempo que aprecia a disciplina do celibato, mas que pode mudar, já que é uma disciplina, e não uma doutrina. O primeiro papa latino-americano da história esteve especialmente atento ao argumento em favor dos viri probati na Amazônia, onde os fiéis, na maioria indígenas, podem passar meses sem ver um padre, e onde as igrejas protestantes e evangélicas estão atraindo as almas católicas.
Embora a situação seja especialmente grave lá, de modo geral o número de padres em todo o mundo caiu por mais um ano consecutivo – 687 a menos, chegando a 414.969 –, enquanto a população católica global cresceu 14,25 milhões, segundo números recentes do serviço missionário do Vaticano, Fides.
Abrir o sacerdócio a homens casados, mesmo em lugares limitados e localizados, abriria a questão de prover financeiramente às famílias dos padres – despesa há muito citada como um dos principais motivos da imposição do celibato no século 11: a igreja não queria que seus bens passassem aos herdeiros dos padres.
A questão de sustentar os filhos dos padres, porém, já está na agenda do Vaticano e em conferências episcopais e ordens religiosas em todo o mundo, dados os casos de padres que violam o voto de celibato e têm filhos em segredo.