Quarta-feira, 02 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 13 de julho de 2024
Depois de a Câmara dos Deputados ter aprovado a regulamentação da reforma tributária, falta muito pouco para concluir a fase legislativa daquela que é uma das maiores transformações da economia brasileira desde o Plano Real. A reforma deixa para trás a pecha de pior sistema tributário do mundo, expressa nas recorrentes últimas posições do Brasil nos rankings anuais do Banco Mundial sobre o tema. O projeto não é perfeito, mas traz avanços essenciais em relação à regressividade vigente, aos altos custos de cumprimento das obrigações, à imensa litigiosidade criada a partir do cipoal de regras mutantes e à injusta repartição da carga de impostos sobre todos os setores da economia. A tributação brasileira se aproximará da que existe nas economias avançadas e nas emergentes modernas.
A aprovação da regulamentação pelo Congresso foi acelerada, fora dos ritos usuais, pulando as comissões, e levadas diretamente a plenário. Essas condições tenderam a favorecer a ação dos lobbies, que em alguns casos conseguiram mudar a seu favor o desenho original. A principal discussão, que ganhou força pela defesa do presidente Lula de que a “carne que o povo consome” deveria fazer parte da cesta básica isenta de impostos, terminou com a inclusão de todas as proteínas animais, queijos, além de aveia, farinhas, óleo de milho, plantas e produtos de horticultura. O mesmo movimento levou à migração de produtos como salmão e atum da alíquota cheia para a com redução de 60%.
A lógica proposta pelo Ministério da Fazenda era correta. As carnes não entrariam na isenção da cesta básica, mas na lista de alíquota reduzida em 60%, já que são produtos consumidos também pelas classes de maior renda. Os mais pobres, inscritos no Cadastro Único, receberiam de volta parte do imposto pago. O benefício seria focado e mais eficaz. O cashback prevaleceu para gás de cozinha, no qual já era de 100% do imposto federal (CBS) e 20% do estadual/municipal (IBS) e para água, luz e esgoto, que de 50% subiu para 100%.
Mais migrações de categorias de taxação maior para menor ocorreram com os medicamentos. Os listados pela Anvisa e os feitos por farmácias de manipulação passaram a ter alíquota reduzida em 60%, enquanto absorventes foram incluídos na categoria isenta. Planos de saúde para pets terão alíquota reduzida em 30%. O texto aprovado criou ainda a categoria do nanoempreendedor, quem tem receita de até R$ 40,5 mil anuais, que não será contribuinte do IBS e CBS. Entraram também nove categorias de insumos agropecuários e aquícolas com impostos reduzidos em 60%.
O Imposto Seletivo, destinado a tributar produtos que causam danos à saúde ou ao ambiente, incluirá o carvão e carros elétricos, mas não caminhões de carga. Um dos graves erros da reforma foi deixar fora desse imposto as armas. Pior: a atual tributação sobre elas gira em torno de 55% e cairá para 26,5%, a alíquota de referência do IVA-Dual. Ainda no caso do imposto seletivo, a taxação de até 1% sobre extração de minérios, petróleo e gás foi reduzida a 0,25%.
Quanto maior o grupo de isenções e reduções, maior será a alíquota. Cálculos preliminares do que os deputados aprovaram ontem indicam que o total da carga seria superior aos 26,5%. A inclusão de carnes na cesta básica pode elevar o padrão em 0,53% (Ministério da Fazenda) ou 0,57% (Banco Mundial). A redução de impostos de medicamentos e do setor imobiliário pode aumentar em mais 0,5% a conta. A alíquota de referência passaria então de 27%, a mais alta do mundo, praticada pela Hungria.
Os deputados aprovaram uma trava para que a alíquota de referência não ultrapasse 26,5% e que passaria a valer em 2033. Para isso, até março de 2031 um projeto de lei complementar deveria ser enviado pelo Executivo apresentando correções de alíquotas para produtos e setores. Pelas declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira, a calibragem se dará depois, e não agora. Isso teria desobrigado os deputados do trabalho responsável de apontar em quais setores ou produtos as alíquotas deveriam ser reduzidas para que outras fossem aumentadas e se respeitasse a alíquota de referência original.
Ou seja, como a reforma será iniciada em 2026, com os tributos federais, e de 2027 a 2033 para o IBS, ela começaria com uma carga maior. A tarefa de zelar pelo não aumento da carga foi dada ao Executivo, que terá também de, a cada cinco anos, verificar se as desonerações de impostos cumpriram seus objetivos e se a relação custo-benefício da isenção se mostrou adequada.
Esse é um desafio. A trava colocada pela Câmara e a revisão das isenções são compromissos importantes para impedir no futuro que governos abusem de aumento da arrecadação para resolver problemas eventuais. Mas seria importante que o Senado fizesse as modificações necessárias para reequilibrar a alíquota de referência para que ela saísse do Congresso e a reforma tributária começasse a ser implantada com o nível consensuado. Ainda assim, a existência de mecanismos de correção de rota obrigatórios, e a possível criação pelo Senado de ajustes com menor periodicidade, permitirá que o objetivo de manutenção da carga tributária não seja desvirtuado. As informações são do jornal Valor Econômico.