Terça-feira, 04 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de fevereiro de 2021
				No balcão da farmácia, o cliente pede um vermífugo para combater a covid-19. Apesar do alerta do farmacêutico de que não há eficácia comprovada, a compra é concluída. Com ou sem o aviso na drogaria, a cena se repetiu à exaustão em 2020, fazendo com que medicamentos como a hidroxicloroquina (antimalárico), a ivermectina (vermífugo) e a nitazoxanida (antiparasitário) tivessem altas expressivas nas vendas em 2020.
Apenas no caso da hidroxicloroquina, o total mais que dobrou, passando de 963 mil em 2019 para 2 milhões de unidades em 2020, conforme levantamento obtido junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF).
Na base desta discussão está o uso dos medicamentos off-label (fora da indicação já prevista em bula): o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que não endossa o uso, mas defende a autonomia dos médicos.
Aos três remédios já citados acima se juntam outros que chegaram a ser agrupados no chamado “kit-covid”, voltado ao suposto “tratamento precoce” da doença. As drogas foram prescritas por médicos brasileiros apesar de estudos científicos no Brasil e no mundo não apontarem benefícios e alertarem para riscos associados ao uso.
Além de especialistas, de algumas entidades médicas e de pesquisas publicadas em revistas científicas, até mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou a ineficácia da estratégia off-label que impactou o varejo farmacêutico. Entretanto, na avaliação das empresas, a responsabilidade pelo aumento das vendas fica com os profissionais que têm poder de assinar a receita.
O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) disse que: “não se pronuncia publicamente em situações que envolvem produtos e empresas determinados, como é o caso desta pauta”.
O Sindusfarma complementou: “Todos os medicamentos aprovados e registrados pela Anvisa para uso no País, inclusive os produtos citados na reportagem, têm eficácia comprovada para as indicações terapêuticas de suas bulas, devendo ser consumidos de acordo com as prescrições e orientações de médicos, farmacêuticos e demais profissionais de saúde habilitados, ou seja, inclusive off-label, desde que sigam novas indicações terapêuticas baseadas na prática médica e na ciência”.
A FQM, uma das 10 que comercializam o vermífugo nitazoxanida, diz que o medicamento por ela batizado de Annita, assim como os outros, não “possui a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratamento da covid-19 no Brasil”, mas que apoia quatro estudos clínicos da substância como alternativa contra o Sars-Cov-2 e citou que estudos in vitro (em laboratório) ainda não publicados apontam “poder inibidor” da molécula contra o vírus.
Apesar disso, a FQM lembra que não há fármaco aprovado contra a covid e apontou que o uso é de responsabilidade dos profissionais.
A EMS, uma das empresas que que produzem a hidroxicloroquina/cloroquina no País, destacou que tem a “missão de cuidar de pessoas sempre com responsabilidade e com o apoio da ciência”, e citou que a responsabilidade é dos médicos.
Pressão na farmácia, off-label
Entidades e especialistas apontam que o aumento no faturamento das empresas com a alta nas vendas é reflexo de uma pressão nas farmácias que foi incentivada com declarações e medidas por representantes e órgãos do governo federal, somados a uma falta de posicionamento crítico do próprio CFM em relação ao uso dos medicamentos off-label.
“A verdade é que os medicamentos estão sendo prescritos [pelos médicos]. Com as falas do presidente (Jair Bolsonaro) e a defesa de outros membros do governo, isso criou uma pressão muito grande em cima dos profissionais de saúde. Os pacientes muitas vezes ouvem o que diz o presidente e entendem que pode haver uma saída”, disse Marcos Machado, do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo.
Quando os números das vendas são destrinchados mês a mês, é possível ver uma flutuação diretamente relacionada com a publicação das resoluções da Anvisa, que abrandaram ou restringiram o nível de exigência das receitas – inclusão ou exclusão dos medicamentos na lista de controle especial.