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Brasil Após “morar” no aeroporto, ex-menino de rua é aprovado nos concursos do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público

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Ex-menino de rua estuda para concurso da Polícia Civil em biblioteca na Asa Sul. (Foto: Reprodução)

O advogado Ismael Batista disse que teve um “estalo” aos 8 anos, que o fez fugir da casa em que vivia, em Samambaia, no Distrito Federal, para viver no Aeroporto Juscelino Kubitschek. Por quase um ano, ele dormiu no bagageiro do terminal e conviveu com os funcionários como se fossem da própria família. Uma dessas pessoas foi a atendente de uma locadora de carros, cuja mãe o adotou e o ajudou a ser aprovado em concursos no STF (Supremo Tribunal Federal) e no MP (Ministério Público).

De família pobre, Batista cresceu em um barraco de madeirite, montado sobre a terra, com a mãe e os dois irmãos, em Ceilândia. “[A casa] era um quadradão. Tinha um banheiro de fossa, um buraquinho para fazer necessidades. O chuveiro era improvisado com latinha de óleo, com um monte de furos”, lembra. “Tinha arroz, feijão, nunca passei fome. Se não tinha pão, comia arroz de manhã.”

O pai foi morto a tiros por usuários de drogas da região. Batista também foi vítima de bala perdida, dentro da própria casa. Atingido de raspão, ele diz que por pouco não ficou tetraplégico. Com a morte do pai, o advogado se tornou responsável por cuidar dos irmãos mais novos na ausência da mãe. A mãe, que até então era dona de casa, trabalhou durante alguns meses na comissaria aérea do aeroporto para sustentar a casa até se casar novamente. “Ela me levou algumas vezes e fiquei fascinado por aquilo.” Desde então, passou a dizer à mãe que se tornaria piloto de avião um dia.

Bagageiro no aeroporto JK, onde Ismael dormiu. (Foto: Reprodução)

Bagageiro no aeroporto JK, onde Ismael dormiu.
(Foto: Reprodução)

Fuga.

Aos 8 anos, Batista foi deixado em casa cuidando dos dois irmãos, à época com 3 e 5 anos. A mãe precisava cuidar da filha recém-nascida que estava internada no hospital. Quando a tia passou para ver as crianças, ele aproveitou a oportunidade para fugir. “Minha mãe é um doce de pessoa. Meu padrasto sempre me respeitou muito. Nunca tive nenhuma razão para fugir de casa. Mas quando minha tia chegou lá em casa, pensei, ‘quer saber?”. Ele diz ter saído com destino certo: o aeroporto.

Aos 33 anos, Ismael ainda não sabe explicar a motivação certa para ter abandonado a família. “Talvez a junção disso tudo, de não gostar do lugar em que vivia, um lugar muito pobre, em que tudo era ruim para uma família naquela situação. Pode ser que isso tudo tenha dado um grande estalo. Mas não foi uma coisa planejada”, diz.

Nova casa.

Deslumbrado com o aeroporto, Batista disse ter passado horas andando e explorando todos os cantos do terminal. No fim do dia, não teve vontade de ir embora. “Quando foi chegando a noite, pensei: ‘acho que vou ficar por aqui. Não quero voltar para casa e preciso arrumar um jeito de dormir.” Foi então que ele encontrou o bagageiro do aeroporto. “‘É aqui’, pensei. Entrei, medi, vi que sobrava espaço.”

Nas primeiras noites, dormiu com os braços para dentro da blusa para se aquecer do frio. Depois, fez amizade com os funcionários do aeroporto e ganhou um cobertor, um travesseiro e uma toalha. Vez ou outra também ganhava almoço. Em pouco tempo, começou a improvisar “bicos” para ganhar o próprio dinheiro empurrando carrinhos dos passageiros. Durante o período em que viveu no aeroporto, ele chegou a ser levado duas vezes para um abrigo de menores, mas sempre fugia. Em todo esse tempo, ele nunca telefonou ou manteve contato com a família. Em várias ocasiões, a mãe saiu à procura do filho pelas ruas levando apenas uma foto 3×4.

Formado em direito, ele foi aprovado em 5 concursos. Foto: Reprodução

Formado em Direito, ele foi aprovado em cinco concursos. Foto: Reprodução

Adoção.

Após alguns meses vivendo no aeroporto, Batista conheceu a jovem que se tornaria a “irmã adotiva” dele. À época, Andréa Carvalho tinha 19 anos e trabalhava em uma locadora de veículos. “A gente fez amizade. Às vezes eu chegava lá e comprava café da manhã para nós dois. Quando não tinha dinheiro, ela comprava café para mim, e almoço também.” Escondida da mãe, Andréa levava o menino de rua para tomar banho na casa em que viviam. “Era tudo bonito. A cama era muito cheirosa, tinha roupa de cama. Fui do lixo para o luxo”, diz. A mãe questionava a filha se alguém havia estado em casa, mas Andréa sempre negava. Tudo mudou após um assalto no aeroporto.

“Alguns marginais pegaram as chaves que ficavam dentro das gavetas dos estandes e levaram os carros do estacionamento. A polícia começou a fazer uma investigação e ficou meio perigoso”, diz ele. “Foi então que minha irmã falou: ‘Está meio perigoso. Você vai comigo para minha casa, vou apresentar você para minha mãe. Na segunda-feira, imagino que vá estar mais tranquilo, e você volta.”

Batista passou o fim de semana com a família. No domingo, foi à igreja. Na segunda, voltou para o aeroporto. “Minha irmã voltou a trabalhar na segunda e fui junto dela. Não me recordo quantos dias fiquei lá de novo, até a Andréa me procurar para dizer que a mãe dela queria conversar comigo.” Foi então que surgiu a proposta de ele ir morar com as duas. “Ela [mãe adotiva] me disse: gostei muito de você. Conversei com a Andréa e queria que você viesse morar com a gente, ver se dá certo. Não é certeza ainda, a gente quer tentar. Mas para isso, tem uma condição. Você tem que voltar para a sua casa, conversar com sua mãe. Se ela concordar, a gente vai lá e conversa com ela para eu pegar a sua guarda.”

Batista ri ao se lembrar do momento do reencontro. “Quando ela me viu, logo caiu uma lágrima do olho. Começou a chorar, me abraçou, e na sequência lembro que foi só ‘na orelha’. ‘Meu filho, você está vivo! Vem cá, cabra safado, o pau vai comer’. A pancadaria foi feia, o pau foi comendo até em casa.” As duas “mães” se conheceram e conversaram sobre a adoção. “Até hoje elas têm uma boa relação. Minha mãe biológica respeita muito a adotiva e tem muita gratidão, mas elas não têm contato, uma não liga para a outra”, diz.

Batista em frente ao STF. (Foto: Reprodução)

Batista em frente ao STF. (Foto: Reprodução)

Vida acadêmica.

Batista diz que só começou a se dedicar aos estudos aos 19 anos, para passar no primeiro concurso público. “Estudava 12 horas por dia – de 8h até meio-dia, tirava duas horas para descansar. Voltava às 14h, via um pouco de televisão, jornal, jantava. E às 20h estudava até meia-noite. Eram três turnos.”

Foi então que se apaixonou pela profissão que seguiria. “Comecei a estudar direito administrativo, constitucional. Não sabia nem o que era alínea, parágrafo. Estudei oito meses e passei em um primeiro concurso para bancário no BRB, aos 22 anos”, diz. “Seis meses depois, fui chamado para técnico no STF.” Algum tempo depois, Batista foi aprovado para analista no Conselho Nacional do MP (Ministério Público) e para outros três concursos públicos. Atualmente, ele estuda para a segunda fase do concurso de delegado de Polícia Civil.

“Você começa a passar, vai passando, e vai adquirindo aquele acúmulo de conhecimento”, diz. “Não sou um cara muito inteligente, sou um cara esforçado. Se eu precisar ler dez vezes, eu vou aprender igual a um gênio.” O advogado se define como um “aproveitador de oportunidades”. “A maior parte dos meus amigos de Samambaia já morreu. Sempre fui muito esperto e ia acabar usando essa esperteza para alguma coisa que talvez não fosse boa”, diz. “É uma antítese entre o malex do aeroporto e uma mesa de servidor do Supremo, que já me fez chorar muito. É uma junção de bênção, que se chama de sorte, com também aproveitamento de oportunidades.” (AG)

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