Quarta-feira, 05 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 4 de novembro de 2025
As votações plenárias de deputados e senadores não chegaram a durar, juntas, dez minutos
Foto: EBCÀs vésperas de perder a validade, a medida provisória que visava a reestruturar o setor elétrico (MP 1.304/2025) teve aprovação relâmpago no Legislativo, passando, numa única tarde, pelo crivo da comissão especial e pelos plenários da Câmara e do Senado.
As votações plenárias de deputados e senadores não chegaram a durar, juntas, dez minutos, e, após sanção presidencial, a MP será convertida em lei.
Qualquer desavisado que caísse de paraquedas no Congresso naquela tarde sairia impressionado com a aparente capacidade de articulação, agilidade e senso de dever público dos congressistas. No entanto, basta observar o caminho percorrido até a aprovação e a configuração final da medida para notar que não é bem assim.
Publicada no Diário Oficial da União em 11 de julho, a medida, que tinha como objetivos básicos baratear tarifas de eletricidade e modernizar a regulação do setor, por pouco não extrapolou o limite de quatro meses de tramitação e voltou ao Planalto sem garantir nem uma coisa nem outra.
No processo, ganhou “jabutis” que beneficiam, por exemplo, as caras e poluentes usinas termoelétricas a carvão mineral, que terão contratos de fornecimento de energia garantidos até 2040. Isso sem contar os penduricalhos alheios ao setor elétrico, como o do preço de referência do petróleo para cálculo de royalties e outros tributos.
Reconheça-se que houve algum avanço da nova legislação, como o que fixou em três anos o prazo para a total abertura do mercado livre de energia, em que os consumidores, inclusive os residenciais, poderão escolher seus fornecedores.
Já a proposta original de impor um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – uma espécie de cabideiro em que são penduradas todas as subvenções dadas pelo governo e bancadas pelos usuários de eletricidade por meio de extras nas contas de luz – representaria um enorme ganho, não fosse por uma pegadinha: o teto foi limitado ao valor constante no Orçamento de 2025, corrigido pela inflação anual.
Sabe-se que a CDE, com seus R$ 49,2 bilhões aprovados para este ano, está inflada e passou a ser usada como atalho para subsídios.
Criado em 2002 como consequência direta do apagão e do racionamento do ano anterior, o fundo pretendia financiar o desenvolvimento do setor elétrico nos Estados, fomentar fontes renováveis e universalizar o serviço de eletricidade.
Não há o que ser comemorado no congelamento de um teto estratosférico corrigido pela inflação. Além disso, foram excluídos desse teto os programas como o Luz Para Todos, relançado em 2023, e o Tarifa Social, que o governo acaba de ampliar para 60 milhões de consumidores de baixa renda com isenção total na conta de luz.
A nova lei determina apenas que nenhum novo subsídio poderá ser incluído no orçamento da CDE caso ultrapasse o teto. Talvez seja o caso de os consumidores agradecerem por continuar pagando o absurdo que já pagam.
Poderosos lobbies do mercado de energia – muitas vezes com interesses conflitantes – têm participação decisiva nas discussões travadas na Câmara e no Senado, e esse poder tem ditado as políticas públicas.
O relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), pendurou jabutis na MP do setor elétrico com a naturalidade de quem enfeita uma árvore de Natal. E somente retirou um deles, das usinas a gás, depois de garantir discussão em outra pauta, dos vetos ao projeto das eólicas em alto-mar.
Mas o relator manteve subsídios aos painéis solares – somente novos produtores terão de pagar adicional para o armazenamento da energia – e incluiu os artigos ligados ao setor de óleo e gás. A MP, que propõe alterar o valor dos royalties, muda também o preço do petróleo para exportação e beneficia indiretamente refinarias privadas que importam o produto, como a Atem, do Amazonas, Estado de Braga.
O senador incluiu ainda a redução da injeção de gás em poços de petróleo, recurso usado para aumentar a produtividade, e o uso do Fundo Social para a construção de gasodutos. A quem se pergunta o que isso tem a ver com eletricidade, a resposta é: nada. Mas é assim que nascem e se reproduzem os quelônios legislativos. (Opinião/jornal O Estado de S. Paulo)