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Por Redação O Sul | 18 de fevereiro de 2019
				De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV Aids 2018, divulgado pelo Ministério da Saúde, a detecção do vírus entre os jovens aumentou em apenas dez anos. Entre 2007 e 2017, a notificação de casos de HIV de pessoas com 15 a 24 anos aumentou aproximadamente 700%. Especialistas acreditam que a explosão de ocorrências se deve à maior disponibilidade de testes e a campanhas de conscientização cada vez mais acanhadas. As informações são do jornal O Globo.
“O jovem não usa mais camisinha, mas o discurso não deve ser restrito a isso. É fato que as campanhas e o debate têm sido silenciados por forças conservadoras”, diz o diretor-presidente da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), Richard Parker.
Parker acredita que o País vive uma epidemia de HIV. Nos últimos anos, campanhas voltadas para os públicos mais vulneráveis à infecção pelo vírus, como transexuais e profissionais do sexo, provocaram protestos entre setores da sociedade.
“Não considero que as pessoas perderam medo, mas sim acesso à informação”, avalia. “Desde 2012, as campanhas são cada vez menos explícitas e não direcionadas ao público que mais precisa de esclarecimentos.”
Sem planejamento
Parker alerta que o panorama pode piorar este ano. A duas semanas do carnaval, o site do departamento do Ministério da Saúde responsável pela prevenção e controle de HIV/Aids não cita as ações especiais previstas para o feriado.
“Os ministros falam sobre necessidade de se respeitar a família brasileira e deixar o debate sobre a educação sexual para os pais. É a receita para o desastre”, condena ele. “Nos anos 1990 e 2000, havia grandes mobilizações, investimentos e programas nacionais constantes. Hoje, nega-se o debate público, não há iniciativas como o combate à homofobia nas escolas.”
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não forneceu informações sobre o investimento em campanhas contra o HIV para este ano.
Para Marcio Villard, coordenador geral do Grupo Pela Vidda (pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids), “um rapaz e uma moça de 16 ou 17 anos que se infectou não foi promíscuo nem relaxado”.
“No mundo em que vivemos, com tanta tecnologia e informação, às vezes um tema pode passar batido. Daí a necessidade de haver programas específicos para um público”, sublinha. “A juventude não vivenciou o momento forte da epidemia, não tem percepção sobre o risco, não conhece métodos de prevenção, como a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP). As escolas deixaram de falar sobre saúde e doenças sexualmente transmissíveis.”
Antes um modelo internacional, ao promover gratuitamente a distribuição de drogas retrovirais no SUS, o Brasil vem perdendo prestígio na luta contra o HIV.
“Em todo o mundo, o número de casos caiu 11%, segundo um relatório do Programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids de 2017. No Brasil, cresceu 3%”, lamenta Villard. “A sociedade voltou a ter a percepção de que HIV é coisa de gay, prostituta e drogado.”
A pediatra e infectologista Maria Letícia Cruz ressalta que o diagnóstico e a adesão ao tratamento são ainda mais problemáticos entre adolescentes.
“Os jovens têm um comportamento que, de alguma forma, os coloca em situação de maior risco”, destaca Maria Letícia, que é doutora em saúde coletiva pela Fiocruz. “É uma faixa etária que não viu a epidemia da década de 1980. Já nasceram em uma época em que o HIV tem tratamento, então não têm muita noção da gravidade dos problemas que a infecção pelo vírus pode causar. São o pior grupo de adesão ao tratamento. Aceitar o diagnóstico nem sempre é uma coisa fácil.”
Nova abordagem
Doutora em psicologia clínica pela USP, Vera Lúcia Mencarelli destaca que a abordagem ao atendimento aos jovens mudou.
“No passado, procurávamos dimensionar corretamente o sofrimento psíquico do paciente soropositivo, mostrando que ele não vai morrer amanhã”, recorda. “Agora, precisamos dizer: ‘Cuidado! Tem que tomar o remédio direito’. Devemos mostrar aos jovens como é grave não aderir ao tratamento.”
A psicóloga acredita que a falta de uso de preservativo está associada a outras condutas de risco características dessa faixa etária, como o aumento dos casos de depressão, tentativas de suicídio e automutilação. Já a maior vulnerabilidade dos homens poderia ser atribuída à maior liberdade sexual masculina, em comparação às mulheres, além da dificuldade de diálogo entre os parceiros sobre o uso da camisinha.
“Quando há envolvimento com uma mulher, a negociação sobre o preservativo é reforçada porque se considera a possibilidade de uma gravidez. Isso não acontece em uma relação entre dois homens. Neste caso, segundo alguns pacientes, um dos parceiros pode provocar um desconforto caso sugira o uso da camisinha”, explica.