Sexta-feira, 09 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 15 de março de 2020
Para driblar o recente endurecimento das leis migratórias pelo governo de Donald Trump e a alta do dólar, que encareceu seus serviços, coiotes que levam brasileiros sem documentos aos EUA acionaram novas rotas e táticas para a travessia e facilitaram o pagamento, aceitando com mais frequência imóveis e outros bens.
Eles também minimizam os riscos da viagem e dizem aos clientes que nada mudou, apesar das deportações em massa recentes e da nova lei que permite devolver imigrantes, inclusive do Brasil, para o México. Com isso, o fluxo de pessoas tentando a arriscada rota pela fronteira continua intenso.
Para saber como ficou a atividade desses intermediadores neste período de cerco à migração de brasileiros, a Folha conversou com dois coiotes que atuam na região de Governador Valadares (MG), polo de saída de emigrantes para a América do Norte.
Também coletou informações com moradores que já viveram fora e com outros que tentaram, mas foram deportados. Apenas um dos entrevistados, que retornou em um dos aviões fretados pelo governo americano para enviar brasileiros de volta, aceitou ter seu nome divulgado.
Segundo os relatos, ex-policiais, fazendeiros, empresários e políticos da região estão entre os que atuam como coiotes. Uma vereadora de uma cidade próxima foi citada pela mãe de um imigrante como a pessoa que leva os moradores de lá.
Muitos deles são agiotas e emprestam dinheiro para financiar as viagens. Alguns ainda falsificam documentos para que as pessoas tentem vistos pela via legal.
Taxistas da rodoviária também indicam contatos. A reportagem perguntou a um deles, que prontamente passou um número de telefone. “Esse manda gente há muito tempo e nunca ouvi falar que deu problema”, afirmou.
Segundo ele, “só é deportado quem não sabe do esquema direito”. É o mesmo discurso dos coiotes, que afirmam que quem volta é porque contrariou suas orientações de não tirar a tornozeleira eletrônica e não faltar às audiências de migração na Justiça.
De acordo com dados oficiais, o número de brasileiros detidos ao tentar atravessar a fronteira dos EUA aumentou mais de dez vezes em um ano e chegou a 18 mil casos em 2019, um recorde desde 2007.
Os coiotes cobram em torno de US$ 20 mil a US$ 22 mil (R$ 96 mil a R$ 105 mil), no caso da passagem clandestina pela fronteira. O cai-cai (prática de se entregar a oficiais e pedir asilo) sai mais barato: em torno de US$ 10 mil (R$ 48 mil). O valor pode variar dependendo do perfil da pessoa —mães com filhos pequenos, por exemplo, podem ganhar descontos.
Os preços em dólar não mudaram de três anos para cá, mas a desvalorização do real fez a viagem encarecer. Por isso, mais gente passou a oferecer sítios, casas, bois ou comércios como forma de pagamento.
Além disso, ao menos um dos serviços —o casamento de fachada com um cidadão americano, para obter o visto de permanência no país— subiu de preço em dólares: de US$ 20 mil para cerca de US$ 35 mil (R$ 168 mil).
Coiotes tradicionalmente se adaptam às circunstâncias, inventando novas rotas quando uma é fechada. Atualmente, alguns preferem enviar brasileiros para as Bahamas, de onde pegam um barco para Miami. O preço também gira em torno de US$ 20 mil.
Questionado se o trecho via Bahamas é mais seguro, um deles respondeu que depende da sorte. “Se o cara que levar tiver roubado uma lancha, chega lá em 40 minutos. Mas se ele tiver um barquinho que não está preparado…” O outro entrevistado disse que não gosta dessa rota porque há muitos naufrágios. “Outro dia sumiram 19 pessoas, tudo gente daqui.”
Para os que vão pelo México —a maioria—, uma opção considerada mais segura, porém cara, é entrar no próprio carro de policiais da fronteira, algemado, como se estivesse sendo preso. Uma vez em território americano, a pessoa é deixada no aeroporto, livre para partir. Segundo os relatos, a propina para os agentes mexicanos e americanos envolvidos é de US$ 13 mil (R$ 62 mil).
Outro canal, que envolve agentes diplomáticos, é usar passaportes portugueses originais, com foto trocada, para entrar legalmente nos EUA —cidadãos da União Europeia não precisam de visto para visitar o país. Depois de entrar, a pessoa envia o documento de volta pelo correio, que vai para o verdadeiro dono.
Prática muito comum nos últimos anos, o cai-cai tem sido dificultado por Trump. Os imigrantes estão sendo mantidos em abrigos por mais tempo do que no passado. Além disso, muitos estão sendo devolvidos ao México e não podem mais esperar seu caso ser julgado em território americano, graças a uma nova lei chamada MPP (Permanecer no México, em português). As informações são do jornal Folha de S.Paulo.