Segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 20 de outubro de 2025
Além da ozonioterapia e do dióxido de cloro, outras falsas curas também circulam nas redes.
Foto: ReproduçãoO autismo não é uma doença e, portanto, não tem cura. O que pode ser tratado são as comorbidades associadas, já que cerca de 70% das pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) apresentam outros distúrbios. Ainda assim, as redes sociais estão repletas de falsas promessas de cura que colocam em risco a saúde física, mental e emocional de pessoas autistas e de suas famílias.
Segundo a neuropsicopedagoga clínica Ângela Cristina Munhoz Maluf, autora do livro Autista… E Agora? (Editora Vozes, 2023), esses danos podem ser divididos em três grupos: físicos, financeiros e emocionais. “Muitos pais acabam expondo seus filhos a terapias sem comprovação científica, gastam o que têm com tratamentos ineficazes e ainda se sentem culpados quando percebem que foram enganados”, explica.
No grupo dos danos físicos, estão práticas potencialmente perigosas, como o uso de substâncias tóxicas ou terapias invasivas. Ângela cita a ozonioterapia como exemplo. Embora o procedimento tenha sido regulamentado no Brasil em 2023 para uso complementar, ainda há controvérsias sobre sua eficácia e segurança. “Se administrada por pessoas sem experiência, pode causar lesões na pele, problemas respiratórios e até morte por inalação de ozônio”, alerta.
Mais grave, segundo especialistas, é o uso do dióxido de cloro, substância semelhante à água sanitária. Ana Carolina Coan, professora do Departamento de Neurologia da Unicamp e integrante da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), destaca que a substância é tóxica e proibida para uso clínico. “Já houve casos de hospitalização em vários países. O dióxido de cloro pode causar queimaduras no trato gastrointestinal, insuficiência hepática, renal e até a morte”, afirma.
A médica ressalta que, ao investir tempo e dinheiro em terapias sem respaldo científico, as famílias acabam privando as crianças de intervenções eficazes. “Isso impede o acesso a tratamentos comprovados, como acompanhamento multiprofissional, terapias comportamentais baseadas em evidências — entre elas o ABA adaptado —, estimulação precoce e apoio educacional especializado”, explica.
ABA é a sigla em inglês para Applied Behavior Analysis (Análise Aplicada do Comportamento), método voltado ao desenvolvimento de habilidades sociais e de comunicação em pessoas com TEA. “Qualquer atraso no início dessas terapias pode comprometer ganhos importantes de comunicação, sociabilidade e autonomia”, completa Ana Carolina.
Além da ozonioterapia e do dióxido de cloro, outras falsas curas também circulam nas redes. A prata coloidal, por exemplo, tem propriedades antimicrobianas, mas seu uso interno pode causar argiria — condição irreversível que deixa a pele azulada — e ainda afetar rins, fígado e sistema nervoso.
O azul de metileno, desenvolvido originalmente como corante, é outro exemplo. Apesar de usado em exames laboratoriais, não há estudos que comprovem sua eficácia em pessoas com TEA. Entre os efeitos adversos estão tontura, dor de cabeça, sudorese e dores musculares.
A terapia de eletrochoque de Tesla, ou eletroconvulsoterapia, também é citada entre os métodos sem base científica. O procedimento consiste em provocar crises convulsivas por meio de descargas elétricas com o objetivo de alterar o comportamento. “É uma técnica arriscada e sem qualquer respaldo para o tratamento do autismo”, adverte Ana Carolina.
Outra substância que ganhou notoriedade é a suramina, um antiparasitário sem aprovação para uso clínico em pessoas com TEA. “Pode causar alterações sanguíneas e hepáticas e, portanto, é contraindicada”, explica Ângela Maluf.
Para as especialistas, o principal risco dessas falsas terapias é desviar famílias da busca por intervenções seguras e baseadas em evidências científicas. “Essas promessas vendem esperança, mas entregam sofrimento. O foco precisa ser no acompanhamento adequado, no apoio educacional e no acolhimento das famílias, não em curas milagrosas”, conclui Ângela.