Quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Por Redação O Sul | 12 de maio de 2019
A PGR (Procuradoria-Geral da República) afirmou que autoridades públicas da Argentina obstruíram um inquérito da Operação Lava-Jato em andamento no Brasil, ao criar dificuldades para a tomada de depoimentos de cidadãos argentinos suspeitos de crimes relacionados à Petrobras. A manifestação sigilosa foi assinada pela procuradora-geral Raquel Dodge no último dia 4 de abril e enviada ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin. Nela, a PGR classificou o caso de “embaraço nos atos de cooperação jurídica internacional” e apontou que os personagens “preferem se escudar em embaraços de ordem procedimental”.
O caso envolve suspeitas de pagamentos de propina ao ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, a políticos do antigo PMDB e a autoridades argentinas por conta da venda da participação da Petrobras em uma empresa argentina, a Transener, no ano de 2007. A Polícia Federal enviou o primeiro pedido de cooperação internacional ao país vizinho em maio de 2016, solicitando a tomada de depoimentos de dois personagens que atuaram no caso: o advogado Roberto Dromi e o empresário Gerardo Ferreyra. A PF, porém, obteve respostas evasivas tanto do Ministério Público como da Justiça do país vizinho e os depoimentos nunca foram colhidos.
Por causa dessa dificuldade, Dodge solicitou a Fachin o arquivamento do inquérito, argumentando que os personagens argentinos poderiam ter dado informações úteis para esclarecer o caso, mas que a recusa das autoridades prejudicou a apuração. “Não há notícias da colheita dos referidos depoimentos, havendo, ao contrário, a documentação de recusa das autoridades argentinas e a ausência de superação dos entraves apresentados para a diligência”, escreveu no documento.
Para a PGR, os fatos demonstraram que os cidadãos argentinos citados não tinham interesse em colaborar com as investigações. “Mais do que isso, o embaraço nos atos de cooperação jurídica internacional deve se somar à possível condição e ambos, de investigado, o que permite que lancem mão do direito ao silêncio, de modo a tornar inócua essa linha investigativa. Rigorosamente, passados mais de dois anos do primeiro contato com as autoridades argentinas e em se tratando de caso de repercussão internacional, se José Roberto Dromi e Gerardo Ferreyra pretendessem adotar alguma postura cooperativa, eles já teriam prestado informações”, apontou Raquel Dodge.
A PGR apontou ainda que o possível uso de doleiros no recebimento de dinheiro no exterior e o elevado lapso temporal dos fatos, que ocorreram há mais de dez anos, inviabilizaram o êxito da apuração. Fachin acolheu os argumentos e arquivou o inquérito.
O inquérito surgiu no início da Lava-Jato, a partir da delação premiada do lobista Fernando Baiano. Segundo ele, um grupo empresarial argentino chamado Electroingeniería tinha interesse em comprar a participação da Petrobras na Transener e por isso lhe procurou para influenciar o então diretor Nestor Cerveró no negócio.
A estatal brasileira tinha acertado vender sua fatia para um fundo norte-americano. Baiano afirma que um advogado argentino, Roberto Dromi, que representava a Electroingeniería, agiu para influenciar o governo argentino a vetar o negócio e favorecer sua empresa. Essa atuação teria ocorrido por meio do então ministro argentino Julio de Vido, que atuou nas gestões de Néstor e Cristina Kirchner. O lobista citou o vice-presidente da Electroingeniería, Gerardo Ferreyra, como outro personagem envolvido nas negociações ilícitas. Pelo negócio, Baiano afirma que a empresa argentina pagou propina em contas no exterior que eram destinadas a políticos do PMDB, a Cerveró e a Roberto Dromi.
Ferreyra e Julio de Vido atualmente estão presos na Argentina sob suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção da gestão de Cristina Kirchner. Dentre os políticos brasileiros citados por Baiano como recebedores da propina estavam o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o ex-deputado Aníbal Gomes (MDB-CE). Posteriormente, o lobista Jorge Luz, também envolvido no episódio, afirmou em sua delação que Renan não teria sido beneficiário desse esquema.