Sexta-feira, 17 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 10 de novembro de 2019
No final do mês de setembro, uma equipe da Polícia de Estado da Itália desmantelou mais um esquema de fraude relativo a processos de reconhecimento de cidadania italiana por direito de sangue (jus sanguinis). Os envolvidos são cinco brasileiros e dois funcionários da prefeitura da pequena cidade de Piombino Dese, no Vêneto, que tem 9,5 mil habitantes. Esse tipo de operação tem se tornado corriqueira em várias localidades do território italiano. Há casos de norte à sul. O chamado ‘modus operandi’ é sempre o mesmo: por uma quantia que varia de 4 a 10 mil euros, agências administradas por brasileiros e italianos prometem em poucos dias o início a obtenção de cidadania e passaporte.
“Hoje, nas grandes cidades para que o estrangeiro de origem italiana consiga a residência é preciso pelo menos seis meses. O mesmo tempo é necessário para que se dê entrada no pedido de cidadania”, explica Michela Bochicchio, vice-chefe da Polícia do Estado, da cidade de Pádua, que participou da operação de busca e apreensão no departamento de registro civil da cidade de Piombino Dese. “Sequestramos a documentação referente a 300 processos depois que fomos informados pela polícia federal de Pádua sobre um elevado número de pedidos de passaportes em tempo recorde “, acrescenta a representante da polícia italiana. Os suspeitos não estão presos e são acusados de falsidade ideológica em atos públicos e introdução ilegal de cidadãos estrangeiros na Itália.
Pacote turístico com passaporte incluso
Verbania, Modena, Rovigo, Roseto degli Abruzzi, Savona e Ospedaletto Lodigiano são algumas das localidades que, de uma hora para outra, viram o número de residentes brasileiros aumentar consideravelmente. “Muitos desses brasileiros que caem no conto do vigário são ingênuos. A lei é clara. Para obter a cidadania em território italiano é preciso ter residência fixa. Não basta passar uma semana ou um mês”, observa Rocco Cotroneo, correspondente do jornal Corriere della Sera, no Rio de Janeiro, que fez várias matérias sobre o assunto. “O objetivo final não é viver no país dos antepassados. É ter o documento, poder passar aos filhos ou mesmo usar o passaporte italiano para morar em outro país da Comunidade Europeia. Sem falar, nos que, por vaidade, não querem perder tempo na fila da imigração”.
Vaidade ou necessidade, a procura por atalhos menos burocráticos aumentou o número de quadrilhas que falsificam documentos com a ajuda de servidores públicos e policiais italianos corruptos. O chamado pacote de turismo-passaporte ganhou força após uma norma de 2002 que estabeleceu que os descendentes de italianos, em posse de documentos que comprovem tal origem, podem requerer a cidadania em qualquer cidade italiana desde que comprovem residência fixa no local. A decisão abriu uma brecha para a criação de agências que prometem serviços rápidos principalmente pelas redes sociais. Não é de se admirar que algumas cidadezinhas passaram a receber centenas de supostos descendentes; como é o caso de Ospedaletto Lodigiano, a 50 km de Milão. Dos seus 1.574 moradores, 1.188 eram brasileiros inscritos no registro de italianos residentes no Exterior. Em 2016, uma ação batizada de “Operação Carioca” prendeu cinco pessoas; o dono da agência e sua mulher, um fiscal municipal, chefe da polícia local, e um oficial de Estado da prefeitura, desmontando todo o esquema fraudulento em Ospedaletto Lodigiano.
Cidadania em risco
Os casos de fraude são cada vez mais comuns. E se alastram com frequência. Em Pádua, no ano passado, sete pessoas foram presas. Mais de 800 pedidos de passaportes foram cancelados. Em Verbania e Novara, sempre no norte da Itália, a Polícia chegou a prender o padre de uma igreja de Pádua que emitia certidões falsas de batismo. Algumas agências oferecem pacotes por 7 mil euros que incluem não só a obtenção do passaporte, mas também excursões com direito a visita a pontos turísticos e degustação de produtos típicos.