Terça-feira, 21 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 21 de outubro de 2025
Não se sabe se a ordem veio do próprio príncipe William ou da equipe de assessores brasileiros que atuarão como cicerones do representante da monarquia britânica em solo tupiniquim. Fato é que não poderá haver nenhum ingrediente de origem animal – nem carne, nem leite, nem queijo – no jantar que será oferecido ao príncipe de Gales, no dia 5 de novembro, no Rio de Janeiro, durante o Earthshot Prize 2025, premiação dedicada à causa ambiental e criada pelo filho da princesa Diana. Justamente por isso, Saulo Jennings, o celebrado chef paraense que cozinharia para os 700 convidados do evento, decidiu pular fora da empreitada.
Para início de conversa, o profissional esclarece que não tem nada contra o veganismo. Ele entende e respeita o movimento – tanto que o restaurante que comanda, a Casa do Saulo, foi o primeiro estabelecimento de Belém (PA) a incluir pratos sem carne no menu. O cozinheiro só não consegue acreditar que todos os convidados da premiação sejam adeptos de uma dieta totalmente vegana. E mais. Na visão do chef, não faz sentido ser contratado para apresentar a culinária amazônica, e logo para uma turma de gringos, sem poder utilizar um dos principais ingredientes locais.
“Os britânicos vêm da terra do ‘fish and chips’ e agora não comem peixe? Pegou mal essa determinação”, avalia Saulo, eleito, em 2024, como o primeiro e único Embaixador Gastronômico da Organização Mundial do Turismo, agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU). “A meu ver, pelo que tenho visto de várias delegações que estarão na COP30, eles têm medo e um certo preconceito da nossa comida. Às vezes não é nem porque a pessoa seja vegana. É receio mesmo! Este é o meu sentimento. Não estou dizendo que este é o caso deles (dos britânicos e do príncipe). Mas pelas propostas de trabalho que tenho recebido para a COP30, escuto muitas coisas assim: ‘Ah, faz só uns sanduichinhos com peito de frango’, já me pediram recentemente. Respondo que faço lombo de pirarucu. Esta é a minha cozinha.”
Saulo sugeriu aos organizadores, de forma insistente, que pelo menos 10% ou 20% do cardápio contivessem iguarias com peixe, uma de suas especialidades. As negociações foram longas. A resolução final, porém, foi por um menu exclusivamente à base de vegetais.
Detalhe: em 2023, Saulo encantou o paladar do Rei Charles III ao assumir a função de chef da festa que antecedeu a coroação do monarca, no Palácio de Buckingham, na Inglaterra. Na ocasião, ele preparou arroz de pato com tucupi, peixe com musseline de macaxeira e cordeiro temperado com ervas amazônicas. Nada de restrições.
Aliás, um dos pratos mais pedidos no restaurante do chef – que tem filiais no Museu do Amanhã, na capital fluminense, e no Edifício Boulevard Sul, na Vila Olímpia, em São Paulo – foi especialmente criado diante do Rei Charles III. Trata-se da “feijoqueca”, um misto de feijoada e moqueca, preparado com feijão-fradinho de Santarém, peixe, camarão, jambu e perfume de pimenta-comari. Um must.
“Não acho que é sobre saber ou não cozinhar de maneira 100% vegana”, reforça o cozinheiro, ao comentar a decisão por abandonar a labuta desta vez. “É sobre missão! No meu caso, tenho um propósito, que é levar a culinária da Amazônia onde eu puder. E a culinária da Amazônia é tudo o que vem dos rios e da floresta, incluindo o peixe. Tentei, ao máximo, uma negociação. Mas não rolou.”
Quem assume o posto, em substituição a Saulo, é a chef carioca Tati Lund, dona do Org Bistrô, no Rio, que serve apenas pratos sem carne. A casa foi eleita como o terceiro melhor restaurante vegetariano em solo carioca, neste ano, pelo Prêmio Rio Show de Gastronomia.
“Eu me preocupo de a classe vegana achar que estou criticando o veganismo. Não é isso! Sou de uma culinária de inclusão”, frisa Saulo, conhecido como um entusiasta máximo de ingredientes nacionais. “Dias desses, me encontraram num restaurante português e me questionaram: ‘Ah, você come bacalhau?’ Claro que como! Não estou dizendo que não é para comer bacalhau. É para comer bacalhau, mas também é para comer pirarucu. Só não sou de exclusão.” As informações são do jornal O Globo.