Quinta-feira, 12 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 26 de março de 2023
O cientista político Dirk Schmidt é professor de política e economia chinesa da Universidade de Trier. Em entrevista à Deutsche Welle, o especialista fala nos laços e dos pontos biográficos em comum unindo os líderes de China e Rússia em sua propalada “parceria sem fronteiras”, a qual foi enfatizada mais uma vez em recente visita do governante chinês a Moscou. Para o cientista, do ponto de vista chinês, seria um cenário de pesadelo absoluto se o governo de Vladimir Putin caísse.
Schmidt diz que Pequim considera a Rússia necessária e crucial numa ordem mundial multipolar voltada contra os EUA e que as relações entre os dois países é nutrida pelos próprios interesses de ambos os lados. “A China está claramente seguindo seus próprios interesses e usa agora a situação na Rússia para obter gás, petróleo, carvão e recursos em geral a preços baratos”, explica o cientista político.
O especialista ressalta que Pequim tem “enorme interesse” de que a guerra na Ucrânia não termine em desvantagem para os russos. “Do ponto de vista chinês, seria um cenário de pesadelo absoluto se o governo de Putin caísse e, numa situação hipotética, a Rússia se juntasse ao Ocidente”, avalia. Veja abaixo alguns trechos da entrevista.
– Professor Schmidt, pouco antes da invasão russa à Ucrânia, há mais de um ano, Pequim e Moscou já haviam concordado com uma “parceria sem fronteiras”. Recentemente, tais laços de amizade foram enfatizados mais uma vez durante a visita oficial a Moscou do chefe de Estado e líder do partido comunista da China, Xi Jinping. Até que ponto essa tão propalada amizade entre dois Estados é uma amizade entre dois indivíduos? “Acredito que a importância da amizade pessoal entre Putin e Xi é subestimada. A relação entre os dois países é moldada pelas convicções pessoais de seus líderes. Ambos estão ligados por uma proximidade particular, diria até amizade. Este mesmo termo foi inclusive usado durante a visita oficial. Quando eles se sentaram um de frente ao outro, Xi Jinping, que é certamente alheio ao sentimentalismo, colocou da seguinte forma: ‘Presidente Putin, meu grande amigo’. Foi exatamente isso que ele disse em chinês. Trata-se de uma qualidade especial e não apenas uma frase vazia. Em sua primeira viagem ao exterior como chefe de Estado em 2013, Xi Jinping foi a Moscou. Já naquela época, Xi Jinping disse a Putin acreditar que eles tinham um ‘caráter semelhante’. Ele chegou a falar inclusive de uma espécie de alma gêmea. De onde vem isso? Existem alguns paralelos em suas biografias: ambos são da mesma geração, com apenas alguns meses de diferença de idade. Ambos cresceram num sistema marxista-leninista. Ou seja, Putin entende a mentalidade de Xi na estrutura do Partido Comunista. Por outro lado, Xi Jinping tem uma compreensão da história russa, algo que Putin sempre promove. Xi é filho de um dos colaboradores mais próximos de Mao [Tsé-tung]. Seu pai, Xi Zhongxun, era um dos principais funcionários no âmbito das relações com a Rússia. Em entrevistas, Xi relatou repetidas vezes também ter sido influenciado pela literatura russa quando criança, e que seu pai lhe trazia presentes da Rússia. Além disso, o pai de Xi Jinping, considerado extremamente pró-Rússia, foi perseguido como espião russo sob o regime de Mao na década de 1960. Ambos também compartilham a experiência do declínio do sistema autocrático na União Soviética (URSS). Xi Jinping sempre criticou o colapso da URSS, desde o início de seu mandato até os dias atuais. Putin e Xi têm uma visão idêntica sobre o fim da URSS. Do ponto de vista tanto de Putin como de Xi, essa queda se deve à incompetência do ex-líder soviético Mikhail Gorbatchov. Outro aspecto em que ambos compartilham uma perspectiva semelhante é a preocupação com as chamadas ‘revoluções coloridas’ trazidas de fora para seus respectivos sistemas, seja dos EUA ou do Ocidente como um todo.”
– Agora olhemos para esta estreita relação pessoal entre Xi e Putin, a prometida “parceria sem fronteiras” entre os dois países, segundo a qual não pode haver “áreas proibidas de cooperação”. O que isso significa no caso de um eventual apoio chinês à Rússia na guerra de agressão contra a Ucrânia? “Em primeiro lugar, é surpreendente que a terminologia “parceria sem fronteiras” tenha sido relativamente pouco utilizada. Não acho que esse termo tenha surgido nos últimos dois ou três dias. Do ponto de vista chinês, é claro que eles não estão acorrentados incondicionalmente à Rússia, mas querem, sim, manter a flexibilidade. Um princípio central da política externa chinesa é a necessidade de flexibilidade tática. O rumo estratégico é muito claro: a Rússia é necessária e crucial numa ordem mundial multipolar voltada contra os EUA. Neste ponto, eles estão próximos um do outro. Fora isso, a China está claramente seguindo seus próprios interesses e usa agora a situação na Rússia para obter gás, petróleo, carvão e recursos em geral a preços baratos. Nesse sentido, a China tem um enorme interesse não necessariamente na vitória da Rússia, mas que, de alguma forma, a guerra não termine em desvantagem para os russos. A China precisa da Rússia. A China compartilha uma fronteira de 4,2 mil quilômetros com a Rússia. Do ponto de vista chinês, seria um cenário de pesadelo absoluto se o governo de Putin caísse e, numa situação hipotética, a Rússia se juntasse ao Ocidente. Da perspectiva chinesa, surgiria assim um adversário diretamente ao longo desses 4,2 mil quilômetros da fronteira norte. Trata-se de um problema de política de segurança muito evidente.” As informações são da emissora internacional de notícias da Alemanha Deutsche Welle.