Segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de agosto de 2016
“Fui preso em 1 de abril de 2005. Dias antes aconteceu um homicídio na praia do Rosa [litoral sul de Santa Catarina]. Acharam meu celular lá e disseram que fui eu que matei. O homem levou um tiro no olho. Sempre neguei. Eu tinha vendido o celular. Eles me acusaram de latrocínio, tentativa de latrocínio e porte de arma. O juiz me condenou: 25 anos e quatro meses. Fui informado da sentença pelo diretor da unidade. Ele chegou por trás da cela, rindo, e disse, no seco: ‘Tenho uma boa notícia: o juiz te condenou a 25 anos’.
Depois de condenado, passei por seis prisões. A maior parte fiquei em São Pedro de Alcântara [na Grande Florianópolis]. O mais pesado foi o pavilhão 2. Lá só tem violência e ódio. Mataram dois na minha frente.
Encontro com a magistrada.
Em novembro de 2010 falei com a juíza [Denise Helena Schild de Oliveira]. Foi por acaso. Ela estava na unidade e viu que tinham me jogado na cela e dado um chute. Perguntou: ‘Te bateram?’. ‘Não, mas estão com vontade’, respondi. E perguntei se ela acreditava que alguém poderia mudar naquele lugar. ‘Estudando e trabalhando’ as pessoas mudam, disse. Fazia quatro meses que eu tinha encaminhado pedido para estudar. Ela disse que autorizaria. Perguntei se poderia confiar na palavra dela. Ela disse ‘sim’ e perguntou o curso. ‘Direito’. Ela riu.
Ganhei autorização para sair às 6h, pegar o ônibus às 6h30min, ficar na aula até as 11h e às 13h voltar para a cadeia. Um dia perguntei a um agente se a autorização já tinha chegado. Ele disse: ‘A única autorização que tenho é para te espancar’. Isso foi em uma segunda-feira. Na terça-feira fui para a faculdade [Univali – Universidade do Vale do Itajaí]. Sabe quem encontro lá, na mesma sala? O agente. Ele ficou branco. Não falou nada.
Na primeira semana foi tudo tranquilo, com bastante entrosamento. A turma achava que eu era pobre por falar muita gíria. Ninguém sabia que eu era detento. Mas, uma semana depois, o agente espalhou pra todo mundo que eu cumpria pena. Tinha até uma história que circulava de que eu chegava com o uniforme laranja, de camburão. Aí, tudo mudou. Só dois ficaram meus amigos, o Luiz e o Raul.
Era bem difícil estudar porque na cadeia não tem acesso à internet. Eu fazia todos os trabalhos à mão. Tinha muito barulho também. Minha tia pagava 50% da mensalidade. Os outros 50% tinha bolsa do governo.
Apresentação do TCC.
Em 2012, no dia 27 de abril, ganhei a liberdade [provisória]. Fui trabalhar com minha tia e estudava. Quando comecei a fazer o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], sobre direitos humanos, achei que deveria chamar para a banca alguém que tivesse me ajudado. Lembrei da juíza. Falei com meu professor, e ele sugeriu passar um e-mail. Decidi ir pessoalmente fazer o convite. Um assessor perguntou quem eu era. ‘Um universitário.’ A juíza abriu a porta. Perguntei se ela se lembrava de mim. Ela disse que não. Lembrei-a que havia autorizado minha saída e a convidei para a banca. Ela não teve reação. Só balançou a cabeça para dizer que iria. No fim, fui aprovado com nota dez.
O que penso para o futuro? Eu passei no exame da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Mas estou correndo atrás de um mestrado. Quero trabalhar na universidade. Ajudar a ressocializar outros presos.” (Folhapress)