Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 31 de março de 2023
Milhares de voluntários americanos correram para a Ucrânia no início da guerra com a promessa de levar experiência militar, dinheiro e suprimentos para o campo de batalha. A atitude foi vangloriada por jornais locais, o que incentivou pessoas a doarem milhões de dólares aos soldados.
Agora, com mais de um ano de conflito, muitos desses grupos de voluntários lutam contra eles mesmos e minam os esforços de guerra. Alguns apenas desperdiçam dinheiro ou roubam parte dos valores enviados. Outros usam a caridade como disfarce para lucrar, segundo registros aos quais o jornal The New York Times teve acesso.
Um tenente-coronel aposentado do estado americano da Virgínia é o foco de uma investigação federal dos EUA sobre a exportação supostamente ilegal de tecnologia militar. Um ex-soldado do Exército americano foi até a Ucrânia apenas para desertar para a Rússia. Um homem de Connecticut, que mentiu sobre sua carreira no serviço militar, postou atualizações ao vivo do campo de batalha – incluindo sua localização exata – e vangloriou-se do fácil acesso que tinha ao armamento americano. Um ex-trabalhador da construção civil planeja usar passaportes falsos para deslocar combatentes do Paquistão e do Irã.
Um dos casos mais curiosos é o envolvimento de um dos maiores grupos de voluntários em uma disputa de poder com um homem de Ohio que alegou ter sido um fuzileiro naval dos EUA quando na verdade atuava como um subgerente de um dos restaurantes da rede LongHorn Steakhouse.
Todos os personagens conseguiram um espaço na Defesa ucraniana graças ao papel que os Estados Unidos assumiu na guerra: o governo Biden aceitou enviar armas e dinheiro, mas não tropas profissionais. Isso significa que pessoas que não estariam autorizadas a estar no campo de batalha em um conflito liderado pelos EUA estão destacadas na linha de frente na Ucrânia – muitas vezes, com livre acesso a armas e equipamentos militares.
De certo, muitos dos voluntários que viajaram ao país tinham motivações altruístas. Alguns perderam suas vidas. Também há estrangeiros que resgataram civis, ajudaram feridos e lutaram ferozmente ao lado dos ucranianos. Outros arrecadaram dinheiro para a obtenção de suprimentos essenciais.
No entanto, na maior guerra do continente europeu desde 1945, a abordagem do faça-você-mesmo não divide os voluntários treinados daqueles que não têm as habilidades ou disciplina necessárias para ajudar efetivamente no combate.
O The New York Times analisou mais de cem páginas de documentos desses grupos na Ucrânia e entrevistou mais de 30 voluntários, combatentes, angariadores de fundos, doadores e autoridades americanas e ucranianas. Alguns falaram sob condição de anonimato para poderem tratar de informações sensíveis.
As entrevistas e pesquisas revelam uma série de decepções, erros e brigas que têm dificultado o trabalho voluntário, que começou após a invasão russa em fevereiro de 2022, quando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, clamou pela ajuda do Ocidente.
“Todo amigo da Ucrânia que quiser se juntar à Ucrânia para defender o país, por favor, venha até aqui”, disse ele. “Nós lhe daremos armas.”
Milhares de pessoas responderam ao chamado. Alguns se uniram a grupos militares como a Legião Internacional, formada pela Ucrânia para integrar combatentes estrangeiros. Outros assumiram papéis de apoio ou de levantamento de fundos. Com Kiev, a capital da Ucrânia, sob ataque, havia pouco tempo para barrar a entrada de quem viajasse ao país. Assim, pessoas com passados problemáticos, incluindo registros militares falsos, entraram para a Legião e uma série de outros grupos voluntários.
Perguntados sobre os problemas, combatentes ucranianos evitaram abordar questões específicas, mas disseram que estavam vigilantes porque agentes russos frequentemente tentam se infiltrar em grupos de voluntários.
“Investigamos tais casos e os entregamos às instituições de aplicação da lei”, disse Andriy Cherniak, um representante da Inteligência militar ucraniana.
Um dos americanos mais conhecidos no campo de batalha é James Vasquez. Dias após a invasão, Vasquez, um empreiteiro de Connecticut, anunciou que iria para a Ucrânia. Na época, um jornal local contou sua história como a de um ex-sargento do Exército dos EUA que deixou para trás seu emprego e sua família, pegou uma espingarda e uma mochila e foi para a linha de frente.
Desde então, ele posta vídeos do campo de batalha na internet, transmitindo a localização precisa de sua unidade para todos, incluindo para os russos. Vasquez se aproveitou da história para angariar doações.
“Estava no Kuwait durante a Guerra do Golfo, e estava no Iraque depois do 11 de Setembro”, disse Vasquez em um vídeo de arrecadação de fundos, acrescentando que “este é um animal totalmente diferente”.
Vasquez, na verdade, nunca esteve no Kuwait, Iraque ou em qualquer outro lugar, disse um porta-voz do Pentágono. Ele se especializou em reparos de combustível e elétricos e deixou a reserva do Exército não como sargento – como alegava –, mas como um soldado de primeira classe, um dos postos mais baixo do militarismo. As informações são do jornal The New York Times.