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Por Redação O Sul | 31 de maio de 2023
Malhação de 1998: para simular uma banda de reggae, os atores pintaram seus rostos com tinta preta, praticando a chamada “blackface”.
Foto: Reprodução de TVPara os fãs mais ortodoxos de telenovelas, há dois portos seguros: o canal Viva e o Globoplay, ambos da TV Globo. Eles sabem que, em uma espécie de compromisso informal, as duas plataformas se dispõem a exibir os conteúdos de novelas e séries antigas na íntegra. Isso virou estratégia comercial da emissora para atrair assinantes para os canais.
Essa relação de confiança sofreu um abalo quando, recentemente, o Viva fez uma revisão – ou um corte corretivo, se assim pode ser chamado – em um dos episódios da temporada de 1998 da série juvenil Malhação, reprisada pelo canal desde o mês de janeiro.
A cena envolvia quatro personagens adolescentes brancos, interpretados pelos atores Rodrigo Faro, Jonas Torres, Bruno Gradim e Alexandre Barillari, que participavam de um concurso de bandas. Para simular uma banda de reggae, gênero musical criado na Jamaica, eles pintaram seus rostos com tinta preta, praticando a chamada “blackface”.
O Viva, que anteriormente só havia feito interferência mais ostensiva no conteúdo em função de audiência, quando a reprise da novela Bebê a Bordo não foi bem aceita pelos seus telespectadores, em 2018, comunicou o corte em suas redes sociais.
Para além de contrariar o público, o caso suscita um debate importante: os conteúdos de telenovelas antigas carecem de revisão para que sejam eliminadas cenas que expressem racismo, preconceito, homofobia, machismo ou outras formas de discriminação que atinjam a audiência atual, assim como já ocorre com a literatura?
Erro?
Para Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil, o canal Viva errou ao eliminar a cena na reprise.
“Considero a atitude não apenas censura, mas manipulação da história, tanto da ficção quanto da realidade”, diz, de maneira enfática. “E certamente é um capítulo inédito na história social da arte”, complementa.
Alencar vai além. Compara a revisão com os cortes que eram solicitados pelos censores durante a ditadura militar brasileira, que atingiam em cheio a produção cultural de um modo geral. O especialista diz que teve a oportunidade de conversar com pessoas que exerciam a função de decidir o que poderia ou não ir ao ar nas novelas à época do regime.
“Não existe ‘censura educativa’. A Censura Federal (que, aliás, eu conheci muito bem) do governo militar também partia desse princípio”, diz.
Alencar enumera alguns episódios de interferência, como o que impediu o autor Dias Gomes de usar as palavras ‘capitão’ e ‘coronel’ na adaptação do clássico O Bem-Amado para a TV (1973) e o pedido para que a babá Nice de Anjo Mau (1976), considerada um mau exemplo para a sociedade, morresse na trama.
O especialista aponta até mesmo a sugestão dos censores de negar a escravidão no Brasil. ” (Os censores) implicaram com a palavra ‘escravo’ em Escrava Isaura (1976). Não era simpático nem educativo mostrar a crueldade da escravidão no Brasil, praticamente o último país do mundo a abolir o hediondo sistema econômico e social”, conta.