Sexta-feira, 20 de junho de 2025
Por Edson Bündchen | 6 de fevereiro de 2025
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Em 1982, John Naisbitt lançou o livro “Megatrends”, que rapidamente se transformou numa das obras mais influentes de sua época. Na publicação, Naisbitt apontava quais eram as 10 megatendências que definiriam as próximas décadas. Em 1996, ele, com ajuda de Patrícia Aburdene, retornou ao assunto com outro best-seller, “Megatrends 2000”, reforçando conceitos do livro anterior e ampliando outros, especialmente diante da ascensão extraordinária dos “tigres asiáticos” e a consolidação da China como “fábrica do mundo”. Uma das frases mais emblemáticas do autor era que o “futuro não deveria ser procurado nas grandes manchetes, mas nas notas meio sem graça dos jornais, pois nem sempre a história se movimenta de forma barulhenta, mas numa miríade de interconexões, muitas delas sutis e silenciosas.
Não foi exatamente com discrição, porém, que algumas décadas depois um desses ruídos que Naisbitt aventava ocorreu. Na semana passada, a startup chinesa DeepSeek colocou o mundo em sobressalto. A inquietação não decorreu devido ao serviço disponibilizado, que já estava no mercado há alguns anos, mas pela forma espetacularmente diruptiva que a novidade emergiu, desafiando algumas das gigantes de tecnologia americana, sugerindo que o protagonismo chinês pode ser ainda mais ousado do que o imaginado.
Nessa perspectiva, a atual interconexão entre política, novas tecnologias e capital financeiro, tem oferecido ao planeta desafios crescentes de articulação, integração e coordenação, ao tempo em que surgem arcaísmos paralelos como proteções tarifárias, isolacionismos, guerras comerciais e todo um conjunto de mecanismos que afrontam diretamente uma maior integração do planeta, promessa não totalmente cumprida, prevista nos trabalhos de Naisbitt e que agora pode sofrer grave descontinuidade.
Há, visivelmente, um novo arcabouço geopolítico sendo gestado, sob um ecossistema informacional inédito, o que infunde às ondas de incertezas um caráter frenético, à moda DeepSeek, típico de uma aldeia global constituída digitalmente, porém com lideranças globais vacilantes, o que sugere dramaticidade adicional ao momento. De fato, sabe-se que a globalização caminha por movimentos de expansão e retração e isso não é uma novidade. A novidade, conforme testemunhamos, não está apenas no ritmo das mudanças, mas na polifonia e cacofonia das vozes que lutam por espaço, hoje demarcado por ameaças existenciais de caráter explícito, tais como a irresolvida questão nuclear, o renitente negacionismo climático e o atualíssimo risco trazido por uma IA sem regulação e com códigos abertos, a exemplo da estratégia arrojada da DeepSeek.
Um desses pressupostos em risco, dada a presente fragmentação social, é a noção de solidariedade, ameaçada diretamente pela ascensão de lideranças autoritárias no mundo. A xenofobia e todas as políticas que confrontam a noção de bem comum e da própria declaração universal dos direitos humanos, a rejeição aos avanços civilizacionais alcançados até o momento compõem um quadro de grande desassossego. Personalizar, contudo, os problemas do mundo, seria enfraquecer a importância, o alcance e os riscos contidos na atual emergência do populismo autoritário ora posto.
A diminuição do senso de comunidade que experimentamos e a exacerbação do individualismo, numa ode ao salve-se quem puder, alimenta os discursos daqueles que navegam no tsunâmi autoritário que ameaça solapar as democracias ocidentais. Essa avalanche coletiva de ressentimento, frustração, polarização e descrença em relação a governos e instituições fomenta e anima ditadores de plantão que catalisam esse conjunto de anseios difusos que hoje povoam a paisagem de muitos países. Enfrentar essas ameaças parece ser o maior desafio do nosso tempo e começa por não minimizar os sinais, por vezes discretos, de riscos existenciais que se travestem como baluartes de uma era de prosperidade, mas que sempre entregaram o caos como herança, conforme tão bem a história nos mostra.
(edsonbundchen@hotmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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