Quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 19 de setembro de 2018
A revolução causada pelos estudos genômicos continua surtindo efeitos em diversas áreas, sobretudo nas relacionadas a Saúde e Medicina. O sequenciamento do DNA de diferentes espécies, que levou a progressos científicos inimagináveis há alguns anos, deverá permitir, em um futuro próximo, que diversas doenças possam ser prevenidas e tratadas com base nas bactérias que vivem em cada um de nós.
De acordo com a geneticista Mayana Zatz, do Centro de Genoma Humano da Universidade de São Paulo, a chave para isso está na intersecção de pesquisas envolvendo genômica e microbiomas – conjunto do material genético de microrganismos presentes em um ambiente. “Há tempos se sabe que o microbioma, também chamado de microbiota, tem um papel importante para a saúde, mas ainda não se sabe exatamente quanto da saúde depende dos genes, e quanto depende do ambiente.”
Em busca de dados mais precisos, Mayana estuda trigêmeos concebidos a partir de inseminação artificial, em casos em que foram inseridos no útero dois embriões e um se dividiu, na mesma gestação. A ideia é descobrir até que ponto a microbiota desses gêmeos depende de seus genes. “Fazemos comparações a partir da coleta de fezes, desde o nascimento”, diz a pesquisadora.
Segundo ela, essas mudanças explicam, por exemplo, porque pessoas que antes gostavam de determinado tipo de comida param de gostar. “Isso se deve a alterações na microbiota, mas ainda não sabemos se é porque ela sofreu mutação genética e fez o organismo parar de processar aquele alimento ou se foi o contrário.” Isso explica também porque a proliferação de bactérias patogênicas no organismo acaba favorecendo não só o desenvolvimento de doenças, mas também a capacidade de responder a tratamentos. Contudo, ela afirma que, ao se estabelecer uma inter-relação entre microbiotas e genes, será possível saber como funciona essa interdependência no corpo humano. “Isso permitiria avançar em tratamentos precisos, como a introdução de micróbios específicos no organismo.”
Prevenção e tratamento
Esses estudos também podem ajudar a prevenir doenças mais complexas, como as fissuras lábio-palatinas, tipo de má-formação congênita, sendo a mais conhecida o lábio leporino. Em busca de descobrir mecanismos de prevenção, Maria Rita Passos, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP, estuda a microbiota oral de mães que tiveram filhos com fissuras lábio-palatinas e de outras que tiveram filhos sem a má-formação, considerando a interação entre gestante e feto. Sua hipótese é de que a microbiota oral das mães seja uma das causas do problema.
Os estudos ainda são preliminares, mas a proposta de Maria Rita é buscar formas de prevenir as fissuras lábio-palatinas por meio da vigilância da microbiota oral das grávidas, a partir de uma orientação direcionada para saúde bucal. “Seriam ações simples, mas essenciais para mitigar o problema, pois a única maneira de corrigir essas fissuras é a cirurgia”, afirma.
Conceito
Desde a década de 1960 já se sabe que o microbioma nos protege de doenças infecciosas, mas agora se sabe que o desequilíbrio de diferentes microbiomas humanos pode levar a uma série de outros problemas. Por exemplo, o uso de antibióticos sem necessidade ou por longos períodos pode causar danos ao permitir que agentes patógenos ganhem força nesses microambientes.
Luis Caetano Antunes, doutor em microbiologia e pesquisador da área de saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz, destaca estudos que indicam que a microbiota pode influenciar em diversas síndromes e doenças, como autismo e obesidade. “Estima-se que a variedade genética dos microbiomas seja até cem vezes maior do que a das pessoas, por isso os estudos deverão se expandir para além do sequenciamento e, em breve, permitir uma medicina personalizada.”
Contudo, como os microbiomas humanos são diferentes entre indivíduos, regiões e países, será preciso entendê-los especificamente no Brasil, com estudos feitos no País. Para isso, o A. C. Camargo vai iniciar testes com medicamentos probióticos e prebióticos, a fim de avaliar como eles alteram a microbiota dos pacientes e se podem ou não compor os tratamentos.
Diagnósticos avançados
Testes genéticos ainda fornecem evidências para detectar uma série de doenças, e alguns já estão disponíveis até na internet, mas há limitações quanto ao que pode ser feito com seus resultados. “Desenvolvemos kits para testar microrganismos presentes na microbiota, que revelam dados sobre o estilo de vida das pessoas e indícios de uma relação entre microbiomas e doenças”, conta Gustavo Campana, diretor médico do grupo Dasa.
Outra linha em desenvolvimento é a da inteligência artificial. Nesse sentido, o Fleury desenvolveu o Oncofoco, considerado o primeiro exame na América Latina a usar inteligência artificial na elaboração de laudos personalizados para pacientes com câncer.