Domingo, 19 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 6 de junho de 2015
Após representar a seleção feminina de futebol em três Copas do Mundo, em sul-americanos e em uma Olimpíada, Elane dos Santos, 48 anos, agora encara o trânsito da cidade do Rio de Janeiro. Sem opções após o clube onde jogava acabar com a equipe feminina, ela decidiu pendurar as chuteiras, tirou uma carteira de habilitação tipo “D” e virou motorista de ônibus, profissão que exerce com orgulho até hoje. Confira a seguir seu depoimento.
“Minha vida sempre foi um pouco diferente. O que mais amava era jogar futebol. Mesmo sendo menina, sempre fui uma das primeiras a ser escolhida nas partidas. Futebol sempre foi um hobby, até que um dia, jogando na rua da minha casa, um olheiro me viu e disse que tinha talento e me chamou para jogar em um clube. Tinha apenas 15 anos, mas deste dia em diante minha vida nunca mais foi a mesma.
Quando falei para minha família que queria jogar futebol, cheguei a ficar com medo, mas desde o início tive apoio. Meus irmãos amaram a ideia. Quando entrei em campo pela primeira vez, foi emocionante. Nunca havia imaginado que uma menina poderia entrar em um gramado, jogar em um estádio e muito menos vestir a camisa da seleção brasileira.
Comecei no São Cristóvão (RJ). Após três jogos, apareceu um pessoal do Bonsucesso (RJ) e me levou para lá. Depois, fui para Portuguesa (RJ) e, por último, para o Radar (RJ), que foi meu último clube antes da seleção. Meu dia a dia era muito complicado. Tinha que pegar três ônibus e um trem para chegar até o clube. Voltava tarde da noite, mas ia todos os dias feliz da vida. Queria jogar, mesmo tendo de fazer esse sacrifício.
Quando a primeira seleção foi montada para jogar o pré-mundial na China, em 1982, eu era muito nova, tinha apenas 17 anos, achava que não teria a menor chance. Mas uma zagueira se machucou e fui convocada. Foi um sentimento inacreditável. Era um desafio para todas. Foram as melhores seleções e algumas que nem conhecíamos, como a dos Estados Unidos. Não tínhamos apoio, mas ainda conseguimos um terceiro lugar.
Depois que voltei da seleção conheci outras pessoas, dirigentes e acabei indo para São Paulo, onde morei por 15 anos. Nos grandes clubes, joguei no Santos, no Corinthians e no São Paulo. Joguei três Copas do Mundo, três sul-americanos e uma Olimpíada. Me sentia realizada.
Estava no São Paulo quando acabaram com o time e minha vida parou. Tive que voltar para o Rio. Minha vida virou de cabeça para baixo. Ainda tentei trabalhar em um projeto de uma escolinha com outra jogadora que morava perto da minha casa, mas era temporário e não assinavam a carteira. Precisava dar uma estabilidade à minha vida quando decidi largar tudo e tentar algo diferente. A única coisa que sabia fazer era dirigir.
Tirei a carteira ‘D’ e decidi virar motorista de ônibus. Apareceu uma oportunidade, fiz um teste e virei motorista. Esse nunca foi meu projeto de vida. Mas foi a oportunidade que me apareceu. Estou há oito anos e me sustento fazendo isso. Tenho orgulho do que faço, mas quando parei de jogar futebol, foi o período mais difícil da minha vida. Sinto falta de ter estudado mais.
Passei 12 anos jogando pela seleção e nunca recebi nenhuma ajuda. Fico triste pois vejo tantos ex-atletas homens trabalhando como olheiros, dentro dos clubes e federações, e nós fomos esquecidas. Fico triste pois vejo que nada mudou. Temos a Marta que foi eleita cinco vezes a melhor do mundo, mas não há uma continuidade. Não temos ninguém que possa substituí-la.
Hoje, meu desafio é outro. Antes, era capitã da seleção brasileira e tinha que dar minha cara a tapa. Agora, sou responsável por levar vidas dentro de um ônibus. Não esqueci o que vivi no futebol. Algumas pessoas até me questionam. Como alguém que defendeu tanto o país em várias competições vira motorista de ônibus? Não tenho o que dizer, infelizmente, é a realidade do meu País.” (Folhapress)