Sábado, 25 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 11 de março de 2023
Logo após auditores do Fisco apreenderem em outubro de 2021 no Aeroporto de Guarulhos as joias presenteadas pelo regime da Arábia Saudita para o casal Bolsonaro, a equipe do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, acionou a direção da Receita Federal em Brasília para tentar liberar os bens. As joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões estavam na bagagem de um auxiliar do ex-ministro e não foram declaradas no momento do desembarque em São Paulo, como revelou o Estadão.
Bento ainda estava no aeroporto quando a chefia da Receita, que era comandada pelo então secretário José Tostes, foi contatada pela equipe do então ministro sob a alegação de que havia um problema na alfândega que poderia atrasar a conexão do voo. Naquele momento, Sandro Serpa, que era subsecretário de Tributação da Receita, recebeu um telefonema do chefe de gabinete do ex-ministro, o contra-almirante José Roberto Bueno Junior.
A ligação é um novo elemento para mostrar que integrantes do governo Jair Bolsonaro tentaram pressionar o Fisco a liberar os diamantes destinados à primeira-dama Michelle Bolsonaro e ao seu marido. O ex-presidente negou que tenha atuado nesse sentido. Já Bento disse que tudo não passou de um processo normal.
Serpa declarou que na ligação telefônica Bueno relatou que havia um “problema em Guarulhos” envolvendo as bagagens da comitiva do ministro e se referiu a um “presente” que poderia atrasar o embarque para Brasília. O chefe de gabinete do ex-ministro alegou que, naquele momento, não havia auditores para atendimento na alfândega, o que Serpa disse ter estranhado. Os servidores da Receita trabalham sem parar em turnos de 24 horas, em todos os dias da semana.
No dia da apreensão em Guarulhos, o subsecretário de Tributação da Receita disse que, após receber a ligação do auxiliar do ministro Bento, entrou em contato com o então superintendente da Receita na 8.ª Região Fiscal de São Paulo, José Roberto Mazarin. “Eu fiquei preocupado com a informação de que o ministro iria perder o voo por causa de um suposto não atendimento da Receita. Esse foi o principal motivo de eu ligar para o superintendente”, disse.
De acordo com relato de Serpa, Mazarin retornou mais tarde informando que tinha havido a apreensão de um conjunto de joias inicialmente avaliado em US$ 265 mil. Naquele momento, o subsecretário recebeu, inclusive, a foto das joias enviada pelo superintendente da Receita em São Paulo.
Surpresa
O ex-subsecretário do Fisco contou que se surpreendeu com o que viu na foto e percebeu que a Receita tinha feito o seu trabalho. Segundo ele, no dia seguinte, comunicou ao então secretário especial da Receita, José Tostes, do ocorrido. A resposta de Tostes foi a de que já “estava sabendo”. Tostes perdeu o cargo 37 dias após a apreensão.
Serpa afirmou que não tratou mais do assunto porque o tema não era da sua área de atuação na Receita, mas do setor aduaneiro. Ele atribuiu o fato de ter sido o primeiro a ser procurado porque conhecia Bento e Bueno desde quando os três trabalharam no mesmo período na embaixada brasileira em Washington.
Bento e seu assessor Marcos André dos Santos Soeiro desembarcaram em Guarulhos no dia 26 de outubro de 2021 no voo 773. Na chegada, Soeiro foi selecionado para vistoria da bagagem, quando foi detectado pelos fiscais um conjunto de joias avaliado em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões). Bento passou sem ser revistado. Os dois informaram ao Fisco que não tinham nada a declarar. Foi quando Soeiro teve a bagagem fiscalizada e as joias foram descobertas.
Tentativas
O governo Bolsonaro acionou pelo menos três ministérios para tentar liberar as joias no final da gestão. O braço direito do então presidente, o coronel Mauro Cid, agiu para tentar retirar do cofre da Receita em Guarulhos a caixa que continha colar, brincos, anel de diamantes da loja e um relógio de luxo Chopard. A operação foi barrada por servidores do Fisco, que não aceitaram entregar os bens que deveriam ter sido declarados como patrimônio da União.
A defesa do ex-presidente afirma que as joias fazem parte da cota de presentes que o chefe do Executivo recebe durante o mandato e podem ser levados como objetos pessoais. Decisão de 2016 do Tribunal de Contas da União (TCU) indica o contrário: presentes de alto valor, como joias, fazem parte do acervo da União, ficam sob a guarda do governo após o fim do mandato do presidente e não podem ser considerados um patrimônio pessoal.