Segunda-feira, 14 de julho de 2025
Por Tito Guarniere | 25 de abril de 2020
O presidente Jair Messias Bolsonaro está em fase de arreganhos abertos com o golpe ou autogolpe. No domingo ele era o figurão mais destacado da manifestação que, às portas do quartel do Exército, em Brasília, atacava líderes civis e os poderes Legislativo e Judiciário e pedia a intervenção militar.
Jornalistas como José Roberto Guzzo, que escreve muito bem mas está cada vez mais reacionário, costumam dizer que são apenas declarações, que ninguém foi preso, que o presidente reclama da imprensa mas não há caso de censura e que os demais poderes, além do Executivo, estão funcionando plenamente, apenas com as restrições do coronavírus.
Era um pouco verdade até então. Mas o insólito episódio de domingo evidenciou que ele vai avançando no propósito golpista, ficando cada vez mais ousado, esticando cada vez mais a corda. Já é estranho o primeiro mandatário da República se unir a manifestantes, como um chefe de facção, um líder de partido – ele que é chefe do Estado e da Nação. É ainda mais bizarro que ele o faça na vigência das normas de isolamento social.
Mas agora, qual as vivandeiras de antigamente, ele foi entoar seus cânticos de guerra para que fossem ouvidos do quartel-general do Exército, a principal arma das forças militares do Brasil. É possível ser mais simbólico e mais explícito?
O colunista, por dever de ofício e de imparcialidade, se contém para não ceder à tentação de criticar diariamente o presidente – ele parece fazer questão de oferecer farto material aos seus críticos, todos os dias. Daquela fonte jorra uma cornucópia de bobagens, diatribes, incongruências, contradições, como nunca antes na história deste país.
Estamos adentrando pelo caminho do perigo, do risco institucional. O homem não respira nem deixa respirar. É uma torrente, um moto-contínuo de atos e dizeres desconcertantes. Ele nunca para de surpreender. Parece acometido de uma doença que não melhora nem com cloroquina.
É verdade que, já no dia seguinte, percebendo o quanto foi longe, volta atrás, concilia, diz que não foi bem assim. Das duas, uma. Ou ele não percebe o alcance de suas palavras – e palavras na boca do presidente, mais do que dos outros, “se distendem, estalam e muitas vezes quebram, sob a carga” (T. S. Eliot) ou ele só finge voltar atrás, um recuo tático, para acumular mais força adiante.
Diante de um desfile temerário, em meio a uma (ainda pequena) multidão de seguidores, Bolsonaro fez um ensaio: desejo secreto que, de dentro do quartel, saíssem tanques para ocupar as ruas de Brasília e do País, uma daquelas quarteladas, que atropela a lei e a Constituição, com a decretação do Estado de Sítio, a suspensão dos direitos civis, individuais e políticos – bem, nós conhecemos como essas coisas se desdobram em horror e iniquidade.
Tudo nos diz – nos diz a imprensa que ainda é livre – que o movimento não colou. As reações dos chefes militares foram de perplexidade e repulsa. Mas precisamos estar, mais do que nunca, de olho aberto. Para quem tem bons ouvidos, o sinal de alarme tocou.
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