Quinta-feira, 10 de julho de 2025
Por Tito Guarniere | 18 de abril de 2020
O coronavírus não ataca apenas o corpo e as vias respiratórias: ataca o cérebro, a mente. O deputado Osmar Terra (MDB-RS), por exemplo, médico sanitarista de larga experiência anterior, três semanas atrás, sustentava com inabalável convicção que o Covid-19 terá uma curva de contágio, expansão e declínio igual a outras epidemias que ele já havia enfrentado antes, quando era secretário estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Também afirmava que o vírus já estava entre nós, que a população já estava contaminada em larga escala. E que o isolamento social era não apenas inútil, como ainda acelerava o contágio.
Com a mesma ênfase, resoluto, calculava que o coronavírus quando muito provocaria pouco mais de 2 mil mortos no Brasil – como tinha sido com a H1N1, anos atrás.
E qual a base para garantir que o vírus já estava espalhado? Como ele poderia ter feito a afirmação se não há testagens na escala necessária? Não existe a hipótese de o Covid-19 ter marcadores próprios, diferentes dos outros vírus e, portanto, uma curva diferente de incidências, para o bem ou para o mal?
O deputado ignora que o isolamento é um meio, não um fim. Trata-se não da cura, mas de ganhar tempo para adaptar a estrutura da rede pública e particular de saúde às demandas em expansão acelerada. É a missão, a urgência, a prioridade: preparar os hospitais e centros de tratamento, com mais leitos hospitalares, testagens em massa, respiradores, máscaras de proteção, profissionais de enfermaria e medicina.
Que Bolsonaro não tenha alcance de captar o entendimento linear, de fácil compreensão, se compreende. Mas Terra que é médico sanitarista deveria ter.
Mais recentemente o deputado atualizou as suas estimativas para mais de 4 mil mortes no país: tomara que seja “apenas” isso. Ele já nos mereceu maior consideração. Ninguém se aproxima de Bolsonaro impunemente, há sério risco de contágio.
É do âmbito das neuroses a obsessão de Bolsonaro com a cloroquina. O capitão obscuro do Exército brasileiro, que a fortuna, mas não a virtude, fez presidente da República, se atribui dentre as prerrogativas do cargo, ditar cátedra sobre um medicamento. Onde todo o mundo médico tem dúvidas e restrições, ele se apresenta como o curandeiro infalível com uma droga infalível.
O flagelo é meio alucinante. Acomete até ganhadores de prêmio Nobel de economia, como o americano Joseph Stiglitz. Em entrevista para a Folha de S. Paulo, ele (entre outras impropriedades) afirma que o mercado falhou quando deixou de fabricar máscaras, respiradores e testes suficientes para atender às vastíssimas demandas da pandemia.
Que um esquerdista de mesa de bar culpe o mercado pela falta de equipamentos e remédios, vá lá. Mas um economista? Se um vidente tivesse previsto a pandemia, e se o mercado acreditasse na previsão, o mundo estaria inundado de leitos hospitalares, máscaras, luvas, respiradores, testes rápidos, medicamentos.
O que o mercado não faz – ali não tem bobo – é fabricar produtos e oferecer serviços que naquele momento não sejam necessários ou que ninguém vai adquirir. Mas ganhador de prêmio Nobel não trata do elementar, só do profundo.
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