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Artes Visuais Mercado ilegal de obras de arte é revelado em livro que detalha as falsificações, roubos e manipulações que assolam o mundo da arte

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Cena do filme 'Minha Obra Prima', do diretor Gastón Duprat, sobre um esquema malicioso de um pintor argentino. (Foto: Netflix/Reprodução)

Você deve conhecer um monte de gente que esteve na cadeia”, minha esposa comentou certa vez. E ela estava certa. Mesmo naquela época, uma rápida contagem dos meus conhecidos do mundo da arte que já haviam cumprido pena exigiria os dedos das duas mãos. Muitos deles eram marchands que não tinham seguido a velha lição: “Qualquer negociante de arte que confunda o estilo de vida de seus clientes com o seu próprio enfrentará muita encrenca”.

Em Art & Crime, os jornalistas alemães Stefan Koldehoff e Tobias Timm detalham os feitos de uma galeria de trapaceiros, patifes e ladrões de arte. A ação se desenrola desde os pubs europeus até a casa nova-iorquina de Imelda Marcos e os armazéns dos portos de Genebra e Cingapura, onde obras de arte (obtidas de maneira legal ou não) podem ser comercializadas discretamente. Vemos traficantes de armas comprando arte para lavar dinheiro sujo, estudiosos vendendo seus imprimaturs, leilões manipulados para aumentar o mercado de determinado artista e negociantes que compram uma pintura genuína em leilão e vendem uma cópia dela para algum cliente desavisado.

Por baixo de tudo isso estão falsificadores, cujas criações vão desde pinturas falsas de Modigliani (que tem uma obra notoriamente espinhosa – para cada óleo genuíno dele há quatro falsificações, um especialista diz aos autores) até aquarelas supostamente assinadas pelo jovem Adolf Hitler.

Há um capítulo sobre Donald Trump, escrito especialmente para a edição americana do livro, que detalha a destruição de alguns frisos de um prédio Art Déco em Manhattan que estava sendo demolido para dar lugar à Trump Tower. No final, porém, o livro acusa o ex-presidente de nada mais grave do que mau gosto e vaidade.

No relato de Koldehoff e Timm (com tradução de Paul David Young), os museus muitas vezes são cúmplices dos picaretas. Os curadores fecham os olhos para proveniências obviamente espúrias quando compram antiguidades saqueadas de nações devastadas pela guerra ou escavações não autorizadas. E os diretores às vezes realizam exposições que são pouco mais do que oportunidades de vendas para as pessoas cujas “coleções” estão sendo exibidas.

Os autores também falam sobre os museus que precisam lidar com os ladrões que roubam suas obras de arte. Ao contrário do clichê do gênio do crime orquestrando o roubo de uma obra-prima desejada para enfeitar sua alcova, a maioria das obras de arte são roubadas por tipos decididamente plebeus que veem uma oportunidade e a aproveitam. Sem conseguirem vender seu saque no mercado público de arte ou entre seus círculos de contatos habituais, esses ladrões muitas vezes sondam as instituições das quais roubaram. Pagar resgate pelas obras pode incentivar mais roubos, mas um museu e sua seguradora podem caracterizar o pagamento não como resgate, mas como “compensação por informações que levem à recuperação de imagens valiosas”, como um funcionário do museu descreveu uma dessas transações.

Por passear do mercado de arte clássica à contemporânea e saltar de um continente a outro, Art & Crime parece um conjunto de exposições curtas remendadas em livro. Grande parte dos dados vem de registros de tribunais e relatos de jornais, então há poucas surpresas. O fato de Donald Trump ter um gosto atroz é bem conhecido faz tempo, assim como as negociações tácitas entre os compiladores de alguns catálogos raisonnés (listas de obras conhecidas de determinado artista) e o marchand que tem uma pintura para vender. Faz muito tempo que a história da arte vai para a cama com o capitalismo.

A maioria dos negociantes é bastante honesta, claro, e há muitos especialistas e curadores que pediriam demissão se tivessem de atestar uma obra que suspeitam ser falsa. Koldehoff e Timm contam a história de ‘Salvator Mundi’, uma pintura comprada em um pequeno leilão de Nova Orleans, autenticada como obra de Leonardo da Vinci, vendida a um negociante de arte suíço, empurrada a um oligarca russo e finalmente leiloada na Christie’s de Nova York por US$ 450 milhões, supostamente para o príncipe saudita Mohammed bin Salman. Ela deveria ser exibida em uma exposição de Leonardo no Louvre em 2018, mas alguns curadores tiveram dúvidas válidas sobre sua autenticidade, e o proprietário se recusou a emprestar a obra a menos que recebesse o imprimatur do museu. A pintura não foi exposta.

O mercado de arte sempre teve cheiro de fraude pela simples razão de que os objetos que vende, às vezes por muitos milhões de dólares, não têm valor objetivo. Quem pode “provar” que uma pintura de da Vinci vale mais do que o borrão de um artista amador? O mercado de arte é um labirinto de modas inconstantes, de reputações em ascensão e queda, sem nada garantido. Quanto vale qualquer pintura? A resposta é simples: vale o que alguém estiver disposto a pagar por ela hoje.

Koldehoff e Timm pedem mais abertura no negócio da arte, lamentando a falta de transparência em termos que podem ser aplicados a mafiosos: “Há um estranho espírito coletivo no mundo da arte (…) do aperto de mão e do anonimato dos parceiros de negócios até o código de silêncio”. Talvez os negociantes de arte mudem de atitude, mas até que isso aconteça, é mais sensato lembrar o ditado sobre o tolo e seu dinheiro.

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