Quarta-feira, 24 de dezembro de 2025
Por Redação O Sul | 19 de dezembro de 2025
Entre reuniões por videoconferência, treinos na academia e a busca constante por produtividade, há um dado que tem chamado a atenção de oncologistas no mundo todo: adultos jovens, em especial os millennials (nascidos entre 1981 e 1996), estão sendo diagnosticados com câncer com uma frequência maior do que a observada em gerações anteriores na mesma idade.
Dados compilados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela American Cancer Society (ACS) mostram que, entre 1990 e 2019, os casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos aumentaram cerca de 79% globalmente, enquanto a mortalidade nessa faixa etária cresceu 28%.
“Estamos diante de uma mudança significativa no perfil epidemiológico do câncer”, alerta o especialista em oncologia Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co e presidente do Instituto Oncoclínicas.
“A doença, que historicamente era associada ao envelhecimento, está se tornando cada vez mais frequente entre adultos jovens. Isso tem implicações clínicas, sociais e emocionais importantes”, destaca.
A ciência não aponta um único culpado, mas sim um conjunto de fatores ambientais e comportamentais que se intensificaram nas últimas décadas. Entre eles:
– Má alimentação, com alto consumo de ultraprocessados;
– Obesidade, muitas vezes iniciada na infância;
– Sedentarismo;
– Consumo de álcool em episódios intensos;
– Privação crônica de sono;
– Exposição a poluentes e agentes químicos;
– Alterações da microbiota intestinal.
Estilo de vida
“A carga ambiental e o estilo de vida contemporâneo parecem ter influência direta na mudança desse padrão”, destaca Carlos Gil.
O câncer colorretal é um dos exemplos mais expressivos: sua incidência entre jovens cresce de forma acelerada e está ligada à dieta, obesidade e inflamação intestinal.
Outro ponto de atenção são os cânceres relacionados ao HPV, preveníveis pela vacinação – ainda subutilizada em muitas regiões.
Nos centros oncológicos, a mudança no perfil dos pacientes é cada vez mais perceptível.
“Não é raro hoje atender pessoas na faixa dos 30 ou 40 anos com tumores que, no passado, víamos quase exclusivamente após os 60”, diz o especialista em oncologia Cristiano Resende.
“E isso não significa que estamos fazendo mais exames; significa que estamos diagnosticando mais casos”, alerta.
O câncer de mama segue a mesma tendência. “Vemos um aumento expressivo de diagnósticos em mulheres com menos de 40 anos. São pacientes em plena fase produtiva, muitas vezes planejando filhos ou consolidando carreira. O impacto emocional e familiar é profundo”, destaca Resende.
Ele explica que a causa é multifatorial: estilo de vida, mudanças hormonais, obesidade, sedentarismo, avanços no diagnóstico e maior identificação de componentes genéticos.
Além disso, o tratamento nessa fase envolve desafios específicos: preservação de fertilidade, afastamento do trabalho, cuidado de crianças pequenas e impacto financeiro.
“Precisamos olhar para essa geração e perguntar: estamos detectando tarde porque estamos procurando tarde?”, alerta.
Detecção e prevenção
Embora terapias avançadas estejam disponíveis no setor privado, o acesso pelo SUS ainda é desigual, o que afeta especialmente jovens com tumores agressivos.
Para enfrentar a tendência de crescimento, especialistas defendem:
– Revisão dos protocolos de rastreamento, especialmente para câncer colorretal;
– Vacinação ampla contra HPV;
– Políticas públicas de combate à obesidade;
– Promoção de hábitos saudáveis desde a infância;
– Atenção a sintomas gastrointestinais persistentes em jovens.
“O câncer em adultos jovens não pode mais ser tratado como exceção. É uma realidade em ascensão. Precisamos falar sobre isso e agir”, finaliza Cristiano Resende. As informações são do jornal O Globo.