Quinta-feira, 12 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 1 de novembro de 2021
Veterano de cúpulas climáticas e um dos maiores especialistas do mundo sobre a Amazônia e o seu impacto no planeta, o climatologista Carlos Nobre diz que a COP-26, que começou em Glasgow, na Escócia, tem como desafio conseguir de governantes o compromisso com metas duríssimas, mas necessárias. Copresidente do Painel Científico para a Amazônia e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Nobre afirma que a Humanidade tem à frente a década mais desafiadora de sua História. Leia abaixo trechos da entrevista que ele concedeu ao jornal O Globo.
– O que podemos esperar da COP-26? “É uma pergunta de US$ 100 milhões. O momento me lembra o da COP-15, em Copenhague, para a qual havia uma imensa expectativa. Porém, só fomos alcançar os resultados esperados na COP-21, em Paris. E isso aconteceu porque houve um trabalho prévio do governo da França.”
– Que trabalho? “Uma intensa negociação prévia com os países. Os líderes, como o presidente americano Barack Obama, chegaram com muita coisa já negociada, prontos para o Acordo de Paris.”
– E agora? “Pelo que se viu até agora, o governo do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não fez o mesmo trabalho. Tampouco o presidente da COP-26, Alok Sharma, parece estar tendo muito sucesso. No Brasil, ele não foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto, por exemplo.
– Por que é tão urgente chegar a um acordo substancial de redução de metas nesta COP?
Porque estamos atrasados. A ciência aponta os riscos há décadas e o último relatório do IPCC é a continuidade disso. Não falamos mais do que pode acontecer, mas do que já ocorre e do que precisamos fazer para tentar impedir que se agrave. E friso que passar de 1,5° C de elevação de temperatura será terrível. Para evitar que isso aconteça, teríamos que reduzir as emissões em 50% até o fim desta década.”
– Qual a chance de a COP-26 chegar a um acordo neste sentido? “Parece distante com o que temos na mesa neste momento. Este ano, as emissões de CO2 devem superar as de 2019, ainda que a atividade econômica não tenha se recuperado plenamente e enfrentemos a pandemia. Os números do Brasil de 2021 ainda não saíram, mas devem superar 2020, ano em que o Brasil foi um dos poucos países que registrou aumento de emissões, devido ao desmatamento da Amazônia. Este ano, o desmatamento continua a crescer e o governo ligou as térmicas.”
– O que isso significa? “Que o Brasil está mais distante de cumprir metas do que outros países. Tudo leva a crer que não haverá redução significativa nos dados que devem sair em novembro. O orçamento do Ibama continua baixo. As emissões brasileiras vêm sobretudo do desmatamento. Se o país não reduzir o desmatamento, não importa se legal ou ilegal, não chegará a nada, a meta alguma. O Brasil não tem nada positivo nas mãos em Glasgow, já é superpressionado e isso não vai melhorar.”
– E os Estados Unidos? “Os EUA aumentaram suas emissões no governo de Donald Trump. O presidente Joe Biden chegou politicamente comprometido a cortar emissões. Só que, para levar adiante seus planos, precisa da aprovação do Congresso e não há garantia de que ela virá. Além disso, os EUA, diferentemente da União Europeia, não têm um marco temporal para encerrar a produção de carros movidos a combustíveis fósseis. Destaco que 98% dos carros do planeta são movidos a combustíveis fósseis. A rápida transição para zerar emissões é o maior desafio do mundo.”
– E a China? “Sem a adesão da China será impossível ficar em 1,5° C de aumento da temperatura global, os chineses teriam que antecipar suas metas. Se o presidente chinês, Xi Jinping, não for mesmo a Glasgow, nenhum acordo da COP-26 será satisfatório, será muito ruim para a conferência. Embora a China queira assumir a liderança ambiental, é difícil que isso ocorra sem um comprometimento maior. Ela é, por exemplo, a maior fabricante de carros elétricos do mundo. Mas, por outro lado, continua a construir térmicas a carvão. A única boa notícia é que os chineses anunciaram que não construirão mais essas térmicas fora de seu país.”
– Por que frear a elevação da temperatura em 1,5° C é tão importante? “Essa meta tem que ser perseguida porque faz uma diferença brutal. Fala-se em 2° C como meta possível, e 0,5° C pode parecer pouca coisa. Não é. Um relatório do IPCC de 2018 mostrou que esse 0,5° C é suficiente para eliminar 95% dos recifes corais, com impacto no equilíbrio dos oceanos e nas nossas vidas, mesmo para quem não se importa com corais. Isso é só um exemplo. Esse 0,5° C vai impactar em ocorrência de extremos climáticos. Em todo o sistema terrestre. Por isso, esta década é a mais desafiadora da História da Humanidade. Decidimos nela nosso futuro.” As informações são do jornal O Globo.