Quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 25 de janeiro de 2019
O drama vivido por uma menina de apenas 12 anos que engravidou após ser estuprada reascendeu na Argentina o debate sobre aborto. Apesar de existir uma lei, de 1921, que autoriza a interrupção de gravidez em casos de violação sexual e risco de vida para a mãe, a menina terminou realizando uma cesariana — com aproximadamente seis meses de gestação — e deu à luz um bebê que nasceu com somente 750 gramas.
A criança morreu na última terça-feira (22), quatro dias após nascer, no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) de um hospital público na província de Jujuy, uma das mais pobres e conservadoras do país. Organizações feministas acusam o governo local de ter pressionado a família da vítima para evitar a realização do aborto, ao qual a menina tinha direito legal. As suspeitas sobre uma espécie de cerco à família cresceram após o nascimento do bebê, também uma menina, que fora chamada de Esperança por movimentos pró-vida. Integrantes desses movimentos organizaram uma cerimônia de batizado no próprio hospital.
O caso envolve disputas políticas locais e nacionais. Antes da cesariana, deputados vinculados ao governo provincial comandado por Gerardo Morales, aliado do presidente Mauricio Macri, foram vistos no hospital de Jujuy. Segundo fontes argentinas, o governador é a favor da legalização do aborto, mas vive em permanente saia justa pelo fato de grupos conservadores exercerem grande poder e influência na região.
“Esse caso colocou a legalização do aborto novamente na pauta nacional e mostrou uma sucessão de falhas do Estado em relação às adolescentes”, disse a escritora Claudia Piñero, figura de proa da militância a favor do aborto legal.
“Ficou claríssimo que não existe uma educação sexual institucional que funcione na Argentina, senão essa menina teria tido ferramentas para denunciar o estupro e fazer alguma coisa antes que a gravidez ficasse tão avançada.”
“Feminicídio de Estado”
No país onde nasceu o movimento “Nenhuma a Menos”, cuja principal bandeira é o combate à violência de gênero e o fim dos feminicídios, o aprofundamento de tragédias sociais tem levado especialistas a começarem a utilizar termos como “feminicídio de Estado”. A expressão se refere a situações em que o próprio Estado faz com que uma mulher corra risco de vida ao negar a ela um direito, atendimento ou proteção.
A polêmica é intensa e tudo indica que, este ano, os manifestantes pró-legalização do aborto e antiaborto voltarão às ruas das principais cidades argentinas. Esse caso também deve aparecer na grande marcha que está sendo preparada no país para o próximo 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Bebê seria adotado por ‘família importante’
Como se não bastasse a tragédia vivida pela menina de 12 anos, cuja identidade não foi revelada, o governador Gerardo Morales declarou publicamente que o bebê seria “adotado por uma família importante de Jujuy”. Suas palavras esquentaram ainda mais a discussão nacional e levaram grupos feministas a chamá-lo de “apropriador”, termo usado para identificar militares que roubaram bebês durante a última ditadura (1976-1983).
Em junho do ano passado, um projeto de lei que previa a legalização do aborto em todos os casos na Argentina foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em uma decisão histórica. No entanto, a proposta foi rejeitada pelo Senado, onde foi votada dois meses depois. A escritora Claudia Piñero destaca que existe a expectativa de que o projeto volte a ser discutido, mas ainda não se sabe quando. “O projeto de lei voltará ao Parlamento. A questão é saber se o Senado será, mais uma vez, um obstáculo insuperável”, afirmou Claudia.
Para Ana Correa, jornalista e ativista pelos direitos das mulheres, “a pressão do governo de Jujuy sobre a família foi enorme e claramente não conseguiram resistir. Sabe-se que a família queria que a menina abortasse”. Já a advogada Soledad Deza, da organização Católicas pelo Direito de Decidir, assegurou que os médicos ofereceram à família duas opções: aborto terapêutico e cesariana. “Nunca saberemos por que a família decidiu fazer a cesariana. Todos temos dúvidas sobre o papel dos médicos e da política local neste caso”, contou Soledad.