Quinta-feira, 23 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 22 de outubro de 2025
Em um almoço de negócios recente, um dos convidados – que até pouco tempo atrás estaria ocupado escolhendo uma segunda taça de vinho – empurrava a comida no prato, inquieto, até finalmente admitir a derrota. Para um almoço pago pela empresa, não foi exatamente memorável.
Outros trabalhadores da City de Londres e donos de restaurantes contaram ao jornal britânico Financial Times histórias parecidas: companheiros de mesa e clientes optando por apenas um prato – às vezes só uma entrada que faz as vezes de prato principal. Alguns relataram festas após o expediente em que o principal assunto de conversa é o mesmo responsável pelos rostos mais magros dos financistas londrinos: a rápida popularização das injeções para emagrecimento que inibem o apetite.
Os donos de restaurantes, que já enfrentam o aumento dos custos trabalhistas, agora se deparam com outro problema: clientes que optam por comer menos e com menos frequência. Medicamentos como Ozempic e Mounjaro, disponíveis em lojas físicas nos Estados Unidos, Reino Unido e muitos outros países, ajudam as pessoas a perder peso reduzindo a fome. Quase 12% dos americanos os utilizam, segundo um relatório recente da Rand. No Reino Unido, a empresa de pesquisas clínicas Iqvia estimou que 1,4 milhão de pessoas compraram esses medicamentos até abril. Para muitos usuários, eles foram transformadores, permitindo melhorias na saúde e na forma física.
Mas, ao suprimir o apetite, essa tendência representa uma nova ameaça à já rara arte do almoço de negócios. Para muitos profissionais do mercado financeiro, o almoço durante a semana sempre foi – e continua sendo – uma parte essencial do trabalho, um espaço para conhecer novos contatos e fortalecer relações. A maioria dos executivos mais experientes tem alguma história sobre como seus maiores êxitos em conquistar um cliente ou fechar um negócio vieram de logos almoços, alguns dos quais se estendiam por horas.
“O almoço longo oferece a chance de aprofundar conversas que criam conexão e entendimento – pedir um café pode ser tanto um gesto de vontade de continuar a conversa quanto uma busca por cafeína”, diz Julie McKeen, sócia e chefe de mídia e entretenimento da empresa de recrutamento executivo Odgers. “Uma pessoa que fica empurrando uma salada no prato desequilibra toda essa calibragem cuidadosa.”
Alguns usuários desses medicamentos se sentem mais à vontade para falar sobre isso no ambiente de trabalho do que outros, o que segundo executivos, já tem causado certa confusão na hora de pedir e acompanhar o ritmo de uma refeição.
Sir Nigel Boardman, ex-sócio de aquisições e fusões da firma de advocacia Slaughter and May, que já fechou inquéritos governamentais como o que investigou o colapso da Greensill, fala abertamente sobre o uso do medicamento. “Sou totalmente aberto sobre isso. É uma medida sensata de saúde. É um pouco como ter um personal trainer. Vejo o Mounjaro da mesma forma. Muita gente sente um certo constrangimento, como se fosse um sinal de falta de autocontrole, mas se orgulha de ter um personal trainer.”
Ele acrescenta: “Se a consequência é o almoço de negócios ficar um pouco mais curto, que seja”. O único impacto sobre os próprios almoços, diz, é que agora ele acompanha o ritmo do interlocutor, em vez de “devorar minha comida em 30 segundos e deixar a outra pessoa tentando acompanhar”.
Os donos de restaurantes estão percebendo as mudanças – com menos pedidos de entradas e sobremesas, e mais pratos deixados pela metade –, que atribuem, ao menos em parte, ao aumento do consumo de medicamentos para emagrecimento. Mas muitos estão otimistas de que, mesmo que as pessoas queiram comer menos, seu desejo de conversar a fazer negócios em um ambiente mais social fora do escritório permanece.
Will Beckett, confundador e CEO da Hawksmoor, uma popular churrascaria britânica, diz que o aumento do consumo de medicamentos para emagrecimento é algo que os donos de restaurantes já começaram a levar em conta. “Está claramente mais comum, mas as pessoas ainda não falam muito sobre isso”, afirma ele. “Começamos a pensar em oferecer algo que permita às pessoas com menos apetite ainda sair e aproveitar a experiência de estar em um restaurante – afinal, você ainda quer comer… socializar. Ainda quer comer algo delicioso.”
Alguns lugares já passaram a oferecer porções menores. O Fat Duck de Heston Blumenthal, por exemplo, lançou o “Menu Consciente”, com porções e preços reduzidos em relação ao famoso menu degustação da casa. “Percebo há algum tempo que o universo da gastronomia vem mudando aos poucos, e que as pessoas passaram a encarar a alimentação de outra forma – buscando se sentir satisfeitas, e não empanturradas”, diz Blumenthal. “Acredito que o avanço rápido dos medicamentos para emagrecimento só vai acelerar essa tendência.”
Charlie Gilkes, fundador do grupo Inception, que controla bares como Mr Fogg’s, diz que amigos donos de restaurantes “têm comentado cada vez mais que o gasto por cliente vem caindo por causa dessa febre do Ozempic”, embora ele ainda não tenha notado uma redução no consumo de bebidas. “Por outro lado, há dados que sugerem que algumas pessoas estão perdendo peso, se sentindo mais confiantes e mais inclinadas a sair para encontros. Então, lugares como o nosso poderão até se beneficiar, já que são locais populares para encontros”, acrescenta ele.
Enquanto isso, pode haver outros impulsos de curto prazo: um executivo do setor de seguros disse ao Financial Times que está planejando uma “festa do Ozempic” antes de começar a tomar o medicamento este ano – um último jantar farto para comer o máximo de bife possível antes de baixar o garfo. As informações são do jornal britânico Financial Times.