Quinta-feira, 09 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 6 de outubro de 2025
É raro que um economista se torne pop, estampando a primeira página dos jornais. Gabriel Zucman, um francês de 38 anos e rosto juvenil, adquiriu esse status em seu país, de forma quase involuntária. É que sua proposta de um imposto anual de 2% sobre os patrimônios superiores a € 100 milhões (cerca de R$ 625 milhões) se tornou a pauta principal do debate político na França, às voltas com uma crise política e orçamentária.
“É preciso lembrar que por trás da proposta há um trabalho internacional de pesquisa. A personalização não deve ocultar a realidade desse trabalho coletivo fundamental”, disse Zucman, em sua sala na Paris School of Economics (PSE), em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na última quarta-feira (1º).
“O Brasil deveria absolutamente implementar um imposto dessa natureza”, acrescentou Zucman, que acompanha de perto o debate fiscal brasileiro. Ele aplaudiu a aprovação pela Câmara, na quarta, do reajuste da tabela do Imposto de Renda, isentando quem ganha até R$ 5.000.
“As classes populares no Brasil pagam muito imposto. Há necessidade de um reequilíbrio, que pode ser feito reduzindo os impostos das famílias mais pobres ou aumentando os das mais ricas. O ideal seria agir nas duas frentes”, sugere.
No ano passado, a convite do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ele apresentou a ideia do imposto dos super-ricos no encontro de ministros das Finanças do G20, realizado no Brasil.
Uma pesquisa apontou que 86% dos franceses apoiam a criação da “taxa Zucman”, que atingiria, segundo ele, apenas 1.800 contribuintes, mas renderia € 20 bilhões (cerca de R$ 125 bilhões) aos cofres públicos.
A proposta provocou reação feroz de bilionários e empresários. Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH (Louis Vuitton e outras marcas) e segundo homem mais rico da França segundo o ranking da revista Challenges (€ 116,7 bilhões, ou R$ 730 bilhões), qualificou Zucman de “militante de extrema esquerda”.
“Isso reflete a fraqueza dos argumentos fundamentais dos opositores a essa medida”, rebate.
O argumento mais usado contra a ideia de Zucman é o risco de “exílio fiscal” —os mais ricos simplesmente levariam suas fortunas para outro lugar, escapando da taxação. A solução, diz o economista, é a criação de um “escudo antiexílio”.
“Concretamente, se você tem mais de € 100 milhões em patrimônio e optar por se instalar em um paraíso fiscal ou em outro país, o imposto mínimo continuará a ser aplicado por 5 ou 10 anos após sua partida”, explica.
A proposta chegou a ser aprovada pela Assembleia Nacional da França no início deste ano. Mas foi derrubada pelo Senado. O recém-nomeado primeiro-ministro Sébastien Lecornu já anunciou que não defende a taxa como solução para o déficit orçamentário da França, estimado em mais de € 40 bilhões (R$ 250 bilhões).
O francês estudou o debate fiscal na época da criação do Imposto de Renda, no início do século 20, na França e em outros países. “Os mais ricos da época lutaram com unhas e dentes para impedi-la, usando os mesmos argumentos: que destruiria a inovação e o crescimento. Foram debates de uma virulência extrema. É interessante revisitá-los, porque hoje em dia todos aceitam o princípio do Imposto de Renda”, compara.
Atualmente, ele disse estar trabalhando em um livro, a ser lançado em meados do ano que vem, sobre a história das relações econômicas internacionais e possíveis formas daquilo que chama de “reorganizar a globalização”.
O economista é discípulo de Thomas Piketty, outro francês famoso pelas pesquisas sobre a desigualdade. Zucman lecionou nos EUA, na Universidade da Califórnia em Berkeley, durante uma década, e voltou à França em 2023 —mesmo ano em que foi agraciado com a medalha John Bates Clark, considerada uma espécie de Nobel de Economia para economistas de até 40 anos. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.