Terça-feira, 21 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 23 de junho de 2020
Um mês depois de deixar o comando do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, o médico e empresário Nelson Teich diz que foi um erro o governo tirar os dados sobre a Covid-19 do site, que o Brasil não deveria deixar a Organização Mundial da Saúde (OMS) e que “não é bom” que o País ainda não tenha um ministro da Saúde oficial — quem comanda a pasta atualmente é um ministro interino, o militar Eduardo Pazuello.
Em entrevista à BBC, Teich deu detalhes sobre o desentendimento com o presidente, Jair Bolsonaro, sobre o uso de cloroquina — em particular sobre a questão de incluir o remédio no protocolo de combate à pandemia de Covid-19 do Sistema Único de Saúde (SUS).
Leia abaixo trechos selecionados e traduzidos da entrevista.
1) O sr. deixou o cargo de ministro da Saúde depois de menos de um mês. Por quê?
É uma questão de se você está alinhado ou não com o presidente. Esta é a principal razão. Eu tinha um jeito diferente [do presidente] sobre como deveríamos decidir os próximos passos. Naquele momento, a cloroquina era a principal discussão, mas vai além disso. É uma questão sobre como decidir sobre avaliação e incorporação de tecnologias, e isso é relacionado com a forma como o sistema é financiado. Se você começa a aceitar tecnologias só porque você teve um teste em laboratório…
Cloroquina não é um remédio caro, mas pense em câncer, remédios raros, doenças ultrarraras… Se você usar o dinheiro para incorporar remédios que você não consegue provar que são efetivos, você não está usando o dinheiro em outras coisas que são essenciais para a ciência. Então não é uma questão específica em relação à cloroquina, é sobre como você administra o sistema. O presidente tinha uma posição, eu tinha uma posição diferente e ele é o cara que foi eleito, ele representa a sociedade e ele me nomeou. Então se um de nós tinha que sair, eu era o cara que tinha que sair.
2) O sr. acha que a OMS é, como Bolsonaro diz, partidária? O sr. falou sobre a politização da pandemia.
Em minha opinião pessoal, hoje, os benefícios da OMS para o países são significativos, eu não sairia da OMS. Se eu tenho qualquer questionamento sobre a forma como as coisas estão sendo feitas na OMS, eu iria até aqueles que estão liderando a OMS, explicaria o que eu acho que não é ok, daria os motivos pelos quais eu acho que não é ok, diria qual é a forma que eu acredito que a instituição deveria se comportar, como eu administraria a instituição. Então eu acompanharia o que iria acontecer no futuro.
3) O sr. foi pressionado de alguma forma para mudar a forma como o governo lida com os números? As mudanças que o governo tentou fazer [e depois voltou atrás] chegaram a ser discutidas quando o sr. foi ministro da Saúde?
Nós vamos ter acesso à informação hoje porque a informação vem dos Estados. E é consolidada pelo Ministério da Saúde. Então, se o Ministério da Saúde não consolidar essa informação, outra instituição vai fazer isso. Você já tem algumas instituições fazendo o mesmo. O principal problema hoje é como o Ministério da Saúde é visto pela sociedade e por outras instituições do governo. Se nós enfraquecemos o Ministério da Saúde, não é bom. Porque o ministério é um líder do sistema de saúde, embora seja necessário trabalhar com os Estados e municípios.
4) Mas o sr. se sentiu pressionado, houve essa conversa sobre mudar os números com os quais o governo não estava satisfeito?
Não houve pressão. Um dos problemas que você tem em uma situação polarizada como essa, é quando as pessoas não estão ouvindo o que você está dizendo, estão mais preocupadas com como elas podem usar o que você está dizendo para defender seus próprios objetivos, então naquele momento… Se eu tentasse falar mais, causaria mais problemas do que soluções… Tive que tomar aquela decisão naquele momento. Mas eu nunca sofri nenhuma pressão para esconder números ou para manipular números.
5) Porque o sr. acha que Jair Bolsonaro está fazendo isso? Porque informação é importante, nós não temos vacinas, os números dizem o suficiente sobre a situação no País.
Para ser honesto, eu não consigo imaginar o governo tentando esconder os números. Porque é impossível esconder os números…Eu não vou julgar o que acontece dentro do Ministério da Saúde sem informações detalhadas sobre o que está acontecendo. Temos que tomar cuidado com o que presumimos… Eu não estou tentando defender nada, estou dizendo que é essa forma como eu lidaria com o problema. Eu teria que bater mais informações sobre o que está acontecendo antes de fazer julgamentos ou dizer algo.