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Colunistas O coloninho italiano

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Dom Antônio Zattera foi o fundador da Universidade Católica de Pelotas. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Coloninho italiano da região de Bento Gonçalves, a Revolução de Trinta o alcançou como voluntário. Alguém lhe dissera que sendo noviço, e milico, teria mais chance de ser aceito no Seminário. Esse seu maior objetivo.

Dedicando-se à prédica da tropa, transmitindo fé e uma convicção de justa causa o quase noviço era a ligação da Religião com o Poder Militar. Com a tropa que, aliás, não sabia bem por quem e por que iria lutar.

A batalha não chegou a ocorrer, como a previam; com sangue e heroísmo, os bardos da época. O “capelão” interino da tropa (Cabo, graças a uma promoção que ele não sabia por que) passara pela prova de fogo do soldado, sem que se tivesse de submeter ao fogo real.

Pensou-se: o Exército perderia (?) um mau – porque intrinsecamente pacifico – soldado e a Igreja ganharia um “soldado” que batalharia, na guerra árdua mas fraterna da educação, da assistência social, etc.

Falo de Antonio Zattera. Ninguém fez mais do que ele pelo bem comum, em Pelotas espalhando suas benesses pelo Rio Grande.

Sem contabilizar rivalidades nem fazer-se prepotente, chegando a Bispo, abriu caminho pela persistência virtuosa – também teimosa – e conseguiu que se chancelasse a primeira universidade privada do interior gaúcho, a Católica de Pelotas. Mas não se deixou levar por um egoísmo orgulhoso, doentio. Sem perder a capacidade de valorizar o mérito justo, entregou à fundação educacional de Bagé as duas faculdades mantidas pela mitra pelotense, e daí, com o tempo, e com o esforço inteligente dos líderes fronteiriços nasceu a URCAMP.

E fez algo similar em Rio Grande, cedendo também duas faculdades para que a Noiva do Mar se lançasse à batalha que, vitoriosa, redundou na exitosa criação da FURG.

Com ele e com sua insistência, que não se detinha ante a barreira do primeiro NÃO oficial, fez obra irretocável na política do atendimento do então chamado menor carente (expressão hoje tida como politicamente  incorreta). Com mais de 500 menores (a grande maioria internos), o Instituto de Menores virou Escola (primário e ginásio) e Centro de Formação Profissional (do gráfico ao padeiro). La sim se formava o cidadão e preparava o profissional. Foi la, num quarto modesto, em que se recolheu, quando informes (dizem que, alimentados, maldosa e mentirosamente pela inveja dos que nunca fizeram o bem pela comunidade. Relatórios fraudados deram curso indevido, enganando os canais diplomáticos do Vaticano que a distância, foi injusta, levaram Dom Antonio à compulsória. Como era realizador, “convinha afasta-lo”.

Deixou, no seu rastro iluminado, uma outra instituição destinada a enfrentar o problema cruel da dependência química, do vício deletério, priorizando menores, de famílias desorganizadas.

Não satisfeito, intentou a batalha pacífica pela criação de uma faculdade de Medicina, tendo de enfrentar a pouca simpatia das lideranças corporativas.  Sabiam que Dom Antonio, quando crente e consciente de que a razão estava de seu lado, não se importava de (no Rio de Janeiro) sentar, por ex., na escadaria do prédio onde vivia o então ministro da Educação, espera-lo até onze da noite, para colher a assinatura decisiva que a burocracia insistia em obstaculizar. E por essa e por outras,  tão similares e criativas, nasceu a Faculdade de Medicina Católica. Hoje, meritoriamente, destacada no ranking nacional.

Com Dom Antonio, reitor, cria-se na universidade, o pioneiro Instituto de Pesquisas (IPEMAFLA) para estudar as águas (em particular fluviais e lacustres) e também (há mais de meio século),  mostrando vocação precoce, o  meio ambiente. Estávamos ainda no velho milênio, mas não para Dom Antonio.

Foi quando ocorreu sem marcas, testemunhas ou vestígios, o desaparecimento de um professor, bem conceituado, da universidade. Dom Antonio, que não era de discursos demagógicos, ouviu o desespero da família, reagiu em nome da fé e da razão.

Era época do Regime Militar, Dom Antonio, tendo como arma o idioma da perseverança e da verdade, venceu a barreira das armas. E não só soube quem e para onde haviam levado o professor como, derrubando com sua força moral as múltiplas barreiras, visitou o preso e transmitiu-lhe a mensagem de que “não estás sozinho: e não permitiremos que sejas injustiçado”. Foi também isso que permitiu, apesar do sofrido e injustiçado, um final aceitável para episódio tão contundente.

Conhecido do Cardeal Traglia – poderoso prefeito do Vaticano – conseguiu que lhe desse uma recomendação para ser recebido pelo Cardeal Roncalli, de Veneza, que viria a ser o simpático e reformista João XXIII. Dom Antonio convenceu o futuro papa a fazer uma escolha que recaiu num jovem – dito por todos – brilhante pintor, para fazer da Catedral de Pelotas também um museu (ou uma exposição) de qualidade artística permanente.   Queria um pintor clássico. E está na beleza das paredes coloridas a marca das mãos dadivosas de Locatelli, que trouxe para Pelotas (e dali para Caxias, para Porto Alegre e para a virtuosa multiplicação do mundo acadêmico) a arte inspirada e inspiradora do mestre  itálico.

Dom Antonio foi e fez tudo isso e muito mais. Sinto um lamento e uma revolta quando vejo as homenagens aos medíocres.

Certamente pela grandeza do seu espírito, esteja onde estiver (certamente entre os bons) me recriminaria por bradar contra a injustiça de um doloso esquecimento; considero inaceitável o pecado dos mal agradecidos. Que ele nos desculpe por contarmos uma parte de seus feitos; e mais, para ficar claro que a gente não se esquece de quem fez tanto por tantos.

Vale para Dom Antonio a caracterização que Jean Cocteau fazia de quem juntava criatividade com ousadia: “NÃO SABENDO QUE ERA IMPOSSÍVEL, ELE FOI LÁ E FEZ”. O pensador francês não sabia que estava falando do “Coloninho Italiano”.

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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https://www.osul.com.br/o-coloninho-italiano/ O coloninho italiano 2017-12-29
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