Quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 15 de outubro de 2025
Fazia tempo que uma personagem não trazia a Julia Roberts tanta repercussão – e tantos elogios – como Alma, a professora em crise que interpreta em “Depois da Caçada”. E, no entanto, foi com certo alívio que a atriz se despediu do papel.
“Alma e eu passamos mais do que o tempo suficiente juntas”, disse Julia, no Festival de Veneza, no mês passado, quando o longa do italiano Luca Guadagnino estreou mundialmente. “Em alguns dias, eu me divertia com ela. Mas, em outros, Alma significava para mim uma luta exaustiva.”
Esse embate extenuante entre atriz e personagem é compreensível, porque encontrar o tom para interpretar Alma não há de ter sido fácil – em cena, ela sofre pressões de todos os lados e tem ainda um passado sombrio a enfrentar. É uma professora de filosofia que ocupa um posto de prestígio na Universidade Yale, nos Estados Unidos. Elege a dedo seus orientandos e diz só escolher os brilhantes – embora o marido lhe jogue na cara que sua preferência seja pelos que reforçam seu narcisismo.
E talvez ele tenha razão, porque a atual discípula de Alma é Maggie, vivida por Ayo Edebiri, uma jovem lésbica, negra, que idolatra a orientadora, mas que levanta suspeitas de estar cometendo plágio em sua dissertação. E é um dos grandes amigos de Alma, o também professor Hank, interpretado por Andrew Garfield, quem tenta dar uma apertada em Maggie para saber a verdade.
Mas um dia ele bebe demais e faz mais do que “apertar” a moça, e a jovem o acusa de estupro. Não fica claro o que realmente aconteceu, mas Hank nega, e ambos pedem a Alma ajuda no processo penal.
Enquanto tenta agir com equilíbrio, apesar das cobranças dos dois lados, a professora se vê diante de dilemas entre demandas de um feminismo mais contemporâneo e sua própria visão de mundo, que ela forjou ao longo de sua atribulada vida. E ainda lhe surge um problema suplementar, quando vêm à tona segredos do passado que têm certa relação com o caso.
Expondo conflitos entre o que defende a geração woke e um progressismo mais tradicional, “Depois da Caçada” gerou muita discussão em Veneza, inclusive com algumas feministas torcendo o nariz, chiando pelo fato de o filme trazer duas mulheres em confronto, em uma situação que deveria uni-las – o abuso sexual. Mas Roberts diz que o temor diante da possibilidade de reações extremas lhe foi estimulante.
“Eu acho que você tem que ter medo. Se não tem, você está confortável além do que deveria no mundo da arte. E é por isso que você deixa o aconchego da sua própria casa para ir a lugares desconfortáveis”, ela diz.
“Eu tento sempre encontrar algo diferente nos personagens que eu escolho. O que, claro, fica mais difícil quanto mais papéis você interpreta. Mas também fica mais interessante quanto mais velha você fica. Porque seu ponto de vista e seus recursos se tornam muito mais vastos”, diz, ressaltando em seguida que, apesar da experiência acumulada em seus 57 anos de vida, a confiança em Guadagnino foi fundamental. “Se meu navio começava a desviar do curso que definimos, ele gentilmente me guiava de volta, para onde sabia que deveria ir.”
O diretor diz considerar o longa uma espécie de “thriller moral”. “É sobre o que está por trás da fachada dos personagens e de como eles vão tentar constantemente eclipsar, com sua própria perspectiva da verdade, a perspectiva da verdade dos outros. O filme foi criado para explorar muitos detalhes nesse sentido, mas tentando também expor o que não é dito, para além do que as pessoas tanto falam.”
Dois dos filmes mais conhecidos de Guadagnino, “Me Chame pelo Seu Nome”, de 2017, e “Queer”, do ano passado, traziam de certo modo personagens de gerações distintas que procuravam se entender, apesar da diferença de idade. Desta vez, porém, existe mais marcadamente um conflito de visões, com cada geração tentando impor a sua.
“O filme é sobre o que acontece quando alguém quer falar uma verdade subjetiva, e o quanto o outro está disposto a ouvi-la. É como um jogo de poderes, e isso é o que me interessou no material”, diz, sobre o roteiro da estreante Nora Garrett. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.