Segunda-feira, 30 de junho de 2025
Por Redação O Sul | 29 de junho de 2025
Quando Santiago Schnell tinha idade suficiente para decidir qual carreira seguir, já sofria de doenças autoimunes, incluindo um câncer.
Durante o ensino fundamental, ele se dividia entre duas paixões: os computadores do pai e os experimentos de ciências naturais do vizinho, o professor Serafín Mazparrote, autor dos livros didáticos de biologia usados na Venezuela.
Mas entre o pai e o professor Mazparrote, os computadores e as ciências naturais, outra força incontrolável interferia em sua rotina de estudos: a batalha do corpo contra si mesmo.
“Desde que nasci, tive uma saúde frágil: alergias terríveis, vontades de ir ao banheiro que eu não conseguia controlar. E ninguém entendia o que estava acontecendo comigo”, diz Schnell, 53, enquanto se prepara para se tornar presidente do Dartmouth College em 1º de julho.
Dartmouth fica em New Hampshire, na costa leste dos Estados Unidos. É uma das oito universidades que compõem a Ivy League, juntamente com Harvard, Yale, Brown, Columbia, Cornell, Pennsylvania e Princeton, um grupo de instituições privadas de ensino superior reconhecidas por sua excelência acadêmica.
Um computador e um professor
Enquanto sua mãe visitava médicos em Caracas para um diagnóstico, seu pai tentava familiarizar Schnell com a computação, convencido de que seria a disciplina do futuro.
“Meu pai me deu um Sinclair ZX 81, uma máquina inglesa que foi um dos primeiros computadores pessoais, muito antes dos da Apple ou IBM, para que eu pudesse aprender a programar e pensar logicamente.”
Era 1981, e Schnell tinha 10 anos.
“Quase ninguém tinha um computador pessoal em casa naquela época, muito menos em Caracas. Isso causou uma mudança muito rápida na minha vida, porque comecei a pensar em procedimentos algorítmicos para resolver problemas.”
Durante os passeios em família, Schnell abandonava o Sinclair ZX 81 e acompanhava o professor Mazparrote em expedições para coletar amostras de seus experimentos e tirar fotografias para ilustrar seus livros.
“Fiquei incrivelmente surpreso com a capacidade dele de prever coisas fazendo uma observação inesperada. Por exemplo, caminhávamos na selva e, quando ele via algumas formigas, conseguia prever que, a 10 ou 20 metros de distância, encontraríamos o tipo de pássaro que aquelas formigas comiam.”
“Ter essa capacidade mental de ver mais do que qualquer pessoa, de ser um Sherlock Holmes da natureza, aliada aos computadores do meu pai, despertou minha paixão pela ciência.”
Diagnósticos inesperados
Mas quando Schnell chegou ao ensino médio, ele não era atormentado apenas por alergias e dores de estômago. Ele também desenvolveu crostas avermelhadas no couro cabeludo, que coçavam e doíam, e que eventualmente liberavam flocos brancos que pareciam caspa.
Os médicos o diagnosticaram com psoríase, uma doença autoimune crônica que causa um aumento anormal na produção de células da pele. O efeito inesperado foi que o tratamento que suprimiu seu sistema imunológico o levou a desenvolver câncer aos 15 anos.
“As doenças autoimunes se tornaram ainda mais agressivas depois do câncer. Quase não vivi para contar a história, mas os problemas de saúde só aumentaram minha curiosidade pelas ciências médicas.”
Na busca por um diagnóstico que explicasse alergias, psoríase e câncer, os médicos descobriram a doença de Crohn, uma inflamação crônica do intestino que o obrigava a ir ao banheiro constantemente.
Após superar o câncer, Schnell adquiriu uma nova compreensão de seu propósito e interesses. “Minha saúde estava tão desgastada que pensei que talvez, com a minha mente, eu pudesse ajudar.”
O primeiro laboratório
Em 1991, Schnell iniciou sua graduação em Biologia na Universidade Simón Bolívar, criada para formar engenheiros, arquitetos e cientistas para participar de grandes projetos de desenvolvimento da Venezuela, como a hidrelétrica de Guri e o metrô de Caracas.
No seu tempo livre entre as aulas, ele visitava o Instituto de Estudos Avançados (IDEA), um centro dedicado à inovação científica e tecnológica, ao qual Schnell podia chegar a pé em cerca de 15 minutos da Universidade Simón Bolívar.
Para ter acesso ao laboratório, o médico e pesquisador venezuelano Raimundo Villegas, que havia sido Ministro da Ciência e Tecnologia, lançou um desafio: limpar tubos de ensaio, pipetas e outros instrumentos de vidro por quatro meses.
“Villegas me disse: ‘Se você conseguir fazer este trabalho bem, excepcionalmente, nós lhe daremos algo diferente'”, lembra Schnell.
“Essa experiência me ensinou a prestar atenção aos detalhes”, disse ele em uma videochamada com a BBC Mundo. “Limpar o vidro é talvez uma das tarefas mais importantes, porque experimentos de biologia molecular falham se houver contaminação no vidro.”
No laboratório, ele também aprendeu a perseguir suas ideias sem copiar as dos outros, mesmo sendo frequentemente chamado de “louco”.
“Ninguém se importa se nós, cientistas, cometemos erros. Formulamos uma hipótese, fazemos o experimento e, se não funcionar, recomeçamos. O que eu tenho a perder? Me deixe fracassar.”
Embora Schnell fosse apenas um estudante de graduação, Villegas permitiu que ele participasse de pesquisas sobre desenvolvimento cerebral e inseminação artificial para criar embriões em laboratório. As informações são da BBC News.