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Lenio Streck O negacionismo, as máscaras, Antígona e Creonte

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Sérgio Buarque de Holanda em Berlim, 1929. (Foto: Divulgação)

Em seu ensaio Raízes do Brasil, escrito na década de 1930, Sérgio Buarque de Holanda faz uma leitura original da tragédia Antígona, de Sófocles, apresentando Creonte como defensor dos interesses da comunidade política em oposição aos interesses familiares de Antígona.

Nesse sentido, os dois personagens principais da tragédia apresentaram conceitos opostos de nomos (norma, lei). Enquanto Antígona sobrepôs o interesse familiar às leis da polis, Creonte evocou os valores públicos da comunidade política em oposição aos interesses privatistas e afirmou que, se qualquer um tiver mais consideração por um de seus amigos que pela pátria, esse homem eu desprezarei.

Assim, Creonte encarnaria a noção abstrata, impessoal da polis. Ou seja, Creonte nos ensina a importância do fortalecimento das instituições públicas para a formação e preservação de um regime democrático, com um Estado despersonalizado.

Concordo com essa leitura não ortodoxa de S.B. Holanda. Eu mesmo — confesso — fazia a leitura mais “fofinha” de Antígona. Mudei de ideia.

Talvez a realidade de terrae brasilis tenha me jogado nos braços da tese creontina. Esta época de pandemia mostra o egoísmo. Gente que pensa que tem direito a sair por aí infectando os outros. E faz passeata contra o uso da máscara. São os negacionistas.

A terra é plana e não dá voltas… Capota. Penso que temos de reler a tragédia grega, examinando melhor as posições pessoais-individuais de Antígona e as posições republicanas de Creonte, que visava a preservar o direito da polis.

Também devemos olhar, desse modo, a partir dos comportamentos de Antígona e Creonte, o nosso ativismo judicial que tomou conta de nossa terra e de nossa gente.

Explico. Estamos criando cidadãos de segunda classe, que não mais reivindicam seus direitos no plano da cotidianidade das práticas civis, transferindo tudo para o judiciário. Cachorro latiu? Façamos um BO. TV a cabo nos cobra um ponto a mais? Em vez de acamparmos na frente da Sky-Net ou tomarmos medidas de desobediência civil ou até mesmo buscar o Procon, corremos até a Defensoria Pública. As crianças de uma escola do interior estão sem transporte? Simples. Em vez de votarmos melhor ou pressionamos o vereador ou o prefeito, corremos ao Ministério Público, que proporá uma ação judicial pedindo liminar. Por vezes, MP e DP disputarão essa primazia ativizante. E assim por diante. Colonizamos o mundo da vida, como tenho dito em parafraseio de Habermas.

Por isso, por mais antipático que fosse (ou que seja), pelo menos no Brasil precisamos de Creonte. Porque por aqui predomina o querer individual em um misto com o desejo estamental, mistura perfeita advinda de nosso patrimonialismo. Tempestade perfeita para eleger populistas. Que se elegem e pregam a volta do AI-5. E querem o fechamento do parlamento ao qual pertencem. Bah.

Por que será que o rapaz do Rio que quebrou a placa de Mariele se elegeu? Porque alguém amaldiçoou a política. E entrou uma choldra. Amaldiçoamos a política e o cabo Julião se elegeu. E Joice Hasselman. E a comadre de Sérgio Moro. Que depois brigou com ele. Somando tudo, dá o quê? Dá cada um defendendo o seu. Vejam que dei uma de Antígona. Tive uma recaída. Afinal, não nominei, ao lado de do cabo Julião e quejandos, alguns gaúchos. Mas já estou me penitenciando. Orando para São Creonte, para que me livre das tentações antigonianas…!

Por isso Buarque de Holanda tinha razão. Menos antigonismo (desculpem o neologismo) e mais creontismo. Mas parece que pode ser tarde.

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https://www.osul.com.br/o-negacionismo-as-mascaras-antigona-e-creonte/ O negacionismo, as máscaras, Antígona e Creonte 2020-07-19
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