Quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de outubro de 2025
O presidente argentino, Javier Milei, teve quase 50 dias para recalcular a rota depois de sofrer uma derrota nas eleições provinciais de Buenos Aires, em 7 de setembro. Foi certeiro. No domingo, seu partido protagonizou uma reviravolta que surpreendeu cientistas políticos, consultorias de risco e o mercado financeiro.
Analistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo explicam que Milei ouviu os eleitores, baixou o tom e acertou na estratégia ao polarizar a campanha e apostar no antikirchnerismo. Também contou com o erro dos peronistas ao separar as eleições da província e as nacionais – e teve até um empurrãozinho de Donald Trump.
Milei foi rápido, em 7 de setembro, ao reconhecer a derrota na Província de Buenos Aires, que concentra 40% do eleitorado e não inclui a própria capital. Após os resultados, garantiu ter ouvido que os argentinos não sentiam os reflexos de suas medidas econômicas e prometeu que corrigiria seus erros.
“Foi um discurso mais esperançoso, porque falou de construir com outras forças, falou que vai governar para os 47 milhões de argentinos. É um discurso diferente do que vinha sustentando”, afirma Lourdes Puente, cientista política na UCA (Universidade Católica Argentina).
“Na Argentina, o povo dá aos seus líderes um mandato que às vezes dura dois anos, três, quatro. Normalmente, não são nem muito curtos nem muito longos. E o mandato de Milei era pra controlar a inflação”, afirma Fabian Calle, professor de ciência política na UCA. “O mandato dele foi para estabilizar a economia. E ele fez isso.”
As eleições de meio mandato, historicamente, servem de “referendo” sobre quem está na Casa Rosada. Sabendo disso, Milei fez uma aposta arriscada: jogar com a polarização.
“O governo foi bem-sucedido na sua campanha em polarizar e apostar no seu discurso de ‘não voltemos atrás, falta pouco e estamos na metade do caminho’”, afirma Lourdes. Milei lembrou que a Argentina que encontrou em 2023 foi justamente a que deixou o kirchnerismo, e votar pelo movimento seria retornar a este ponto.
Era um discurso arriscado. Dias antes, essa mesma força política havia ganhado de Milei por 14 pontos porcentuais nas eleições legislativas da Província em Buenos Aires. Mas o presidente confiou que moveria suas bases para responder e despertar o chamado “voto envergonhado”, não capturado nas pesquisas.
Por mais que os argentinos não estejam de todo contentes com o estado atual da economia, o medo de voltar ao passado falou mais alto. “Depois das eleições provinciais de setembro, o que Milei fez foi se voltar para as pessoas desinteressadas da política e dizer: ‘Cuidado que podem voltar os anos de 2019-2023 (o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner)”, explica Fabián Calle, cientista político da Universidade Católica Argentina (UCA).
Também ficou claro na noite de domingo um erro do peronismo: separar as eleições locais das nacionais. Na Argentina, além de eleições para o Congresso, ocorrem ao mesmo tempo votação para os Legislativos locais. As províncias, no entanto, têm a prerrogativa de decidir se farão suas disputas no mesmo dia que as nacionais ou antes.
Pela primeira vez, a Província de Buenos Aires decidiu fazer antes. Isso causou uma cisão interna no peronismo. Quem dividiu a oposição foi o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, indo contra Cristina Kirchner. Ela queria as eleições ao mesmo tempo, para não dissipar a popularidade dos líderes locais.
Em um primeiro momento, parecia que Kicillof havia acertado ao sair como grande vencedor em setembro. Mas a leitura estava errada. “O desdobramento da Província de Buenos Aires acabou jogando a favor de Milei, porque deixou que, na primeira eleição, os governos locais atuassem e obtivessem seus próprios votos. E, na segunda, os eleitores não tiveram de votar em nenhum prefeito de que gostassem ou algo assim. Simplesmente era entre os mesmos nomes de sempre ou Javier Milei”, explica Lourdes.
Em eleições locais, governadores, prefeitos e deputados de províncias têm muito mais força do que o presidente. Isso pesou nas eleições de 7 de setembro, porque o peronismo detém a máquina de mobilização. Já Milei, por ter um partido pequeno, não conta com essa força, apenas com o poder de atração de seu próprio nome.
Os argentinos que foram votar no domingo escolheram os candidatos da coalizão governista, A Liberdade Avança (LLA), sem olhar para seus nomes, mas sim para o de Milei.
Cristina Kirchner está presa e inelegível. Kicillof teve uma carreira de presidenciável que aparentemente durou 50 dias. No fim, a única liderança nacional atual é Milei. Ao nacionalizar a votação, o presidente conseguiu uma vitória histórica na mesma província peronista que em setembro o castigou.
“A Província de Buenos Aires mostra que o aumento da participação eleitoral beneficiou Milei, e capturou votos que na eleição provincial preferiram forças mais locais, e não escolheram as listas do LLA”, afirma Facundo Cruz, cientista político. “Neste momento, eles conseguiram capitalizar e absorver esse voto não peronista.”
Por último, pesou a favor de Milei o respaldo que recebeu do seu maior aliado, os EUA. De início, Donald Trump assustou os argentinos ao dizer que só ajudaria o país se Milei ganhasse. Os mercados reagiram mal à frase, pois havia sinais de ingerência.
No fim, o medo do que poderia acontecer à Argentina caso perdesse o apoio da maior economia do mundo em um momento de crise pesou para o eleitor. “Houve uma sensação de que é melhor o gigante estar conosco para ver se não caímos”, afirma Lourdes. “Foi como dizer: ‘Não sei se gosto, mas com Milei estamos seguros de que não vão nos deixar cair’.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.