Segunda-feira, 12 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 7 de setembro de 2020
O Estado não pode interferir na decisão de uma pessoa, maior de 18 anos, em ter filhos. O controle da própria fecundidade faz parte do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo incompatível que haja restrição legal sobre isso. O entendimento é do procurador-geral da República, Augusto Aras.
A expressão “e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos”, que consta da Lei do Planejamento Familiar (9.263/1996) é inconstitucional. Essa é a opinião do procurador-geral da República, Augusto Aras, expressa em parecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.911, que questiona as restrições à esterilização de homens e mulheres previstas no inciso I e do § 5º do art. 10 da referida lei. Para Aras, o dispositivo ofende a liberdade individual e constitui indevida interferência estatal na autonomia privada. A ação é de autoria do Partido Socialista Brasileiro (PSB).
A agremiação política ataca a estipulação de idade mínima não condizente com a maioridade civil, arbitrada em 25 anos, ou de número mínimo de filhos vivos; e a exigência de consentimento expresso do cônjuge, no caso de existir sociedade conjugal, durante toda a vida, independentemente do número de filhos vivos. Na ADI, o PSB aponta ofensa ao princípio da dignidade humana, da liberdade individual e do direito à autonomia privada. Sustenta que os direitos reprodutivos e sexuais e de liberdade sobre o próprio corpo têm caráter personalíssimo. E que a lei, ao impor restrições ao procedimento de esterilização voluntária, estaria a estabelecer um “dever de procriação”, com excessiva ingerência na esfera individual.
No parecer, Augusto Aras explica que o controle da própria fecundidade, pelo método que pareça mais eficaz para cada indivíduo, desde que lícito, integra o rol de direitos consolidados no princípio da dignidade humana. Isso está previsto expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição Federal, “sem que dali se possa extrair qualquer comando que justifique a aludida ingerência estatal nessa seara”, pondera o PGR no parecer. Cabe ressaltar que a Lei do Planejamento Familiar regulamenta esse dispositivo constitucional. “A dignidade da pessoa vincula-se à potencialidade de autodeterminar-se livremente, inclusive quanto ao exercício de direitos reprodutivos”, frisa.
Para o procurador-geral da República, nota-se direcionamento estatal relacionado à livre decisão de ter ou não ter filhos, impondo-se, de algum modo, visão que se supõe mais adequada para resguardar a possibilidade de eventualmente tê-los no futuro. “Ainda que da previsão legal não resulte, evidentemente, a obrigação de ter filhos, a restrição legal deslegitima a opção de pessoa plenamente capaz de não gerar descendentes, tão válida quanto a de gerá-los, embora somente a primeira sofra limitação pelo ordenamento jurídico”, afirma.
Augusto Aras também discorda da legislação questionada no que se refere à quantidade mínima de filhos vivos para as pessoas menores de 25 anos. Para ele, a lei sugere “ao sujeito de direitos quantidade de descendentes que seria social e pessoalmente adequada antes de submeter-se à esterilização”, diz um dos trechos do parecer. “Há, de outro lado, incongruência com o restante do ordenamento jurídico. Além da evidente incompatibilidade da restrição etária com a previsão da maioridade civil e penal aos 18 anos de idade, a indicar tutela estatal excessiva a pessoas plenamente capazes para os atos da vida civil, observa-se injustificada contradição com a permissão legal conferida aos maiores de 18 anos para, independentemente de seu estado civil, adotar criança”, diz. Aras lembra ainda que o Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer direitos sexuais e reprodutivos.
Conforme argumenta o procurador-geral da República, a Constituição atribuiu ao Estado a tarefa de assegurar o livre exercício do direito fundamental ao planejamento familiar para decidir o modelo que pretenda adotar. “A decisão de submeter-se à esterilização, além de envolver temas atinentes a direitos sexuais e reprodutivos, integra, assim, a própria concepção de planejamento familiar, definido pelo art. 1º da Lei 9.263/1996 como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”, diz.
Augusto Aras entende que o planejamento familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípios da paternidade responsável e da dignidade humana, vedando-se qualquer forma de coerção ou interferência estatal ou de terceiros. “A expressão ‘livre decisão do casal’ do art. 226, § 7º, da Constituição Federal, cujo sentido não alcança a desconsideração de vontades e de decisão da esfera individual e privada acerca dos direitos reprodutivos de cada um, não valida a exigência de consentimento do cônjuge para a esterilização de um dos sujeitos que compõe a relação conjugal”, afirma. Ao contrário, visa a promover a liberdade no planejamento familiar. As informações são da PGR (Procuradoria-Geral da República).