Segunda-feira, 13 de outubro de 2025

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Ali Klemt O Supremo das vontades

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(Foto: Freepik)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Uma das coisas que mais me choca, nos dias de hoje, é como o excesso de informação e nos leva a superar uma notícia após a outra, sem permitir que nos atenhamos ao que é realmente importante, até o ponto em que passamos a banalizar circunstâncias graves porque, sei lá, outro fato bizarro aconteceu, a Virginia acabou com o Vini Jr., o Lula inventou uma nova narrativa e mais um político condenado por corrupção grava vídeos recomendando filmes na sua piscina com vista cênica para o Pão de Açúcar. Esse é o ponto, o perigoso ponto, a que chegamos. Esse é o dia a dia do brasileiro. Oremos.

Nessa profusão de conteúdo, contudo, acabamos deixando passar alguns assuntos que atingem a nossa vida, direta ou indiretamente, de forma profunda. E um deles é a falência moral do Supremo Tribunal Federal. Quando um tema se torna recorrente, é porque vemos nele um problema. E quando esse problema se concentra no núcleo do poder do país…bem, senhores, aí nós não temos um problema: nós temos um problemão.

Às vezes – ou melhor, muitas vezes! – pego-me pensando se estou louca. Fico falando, cá com os meus botões, que não é possível que ninguém esteja vendo o que eu estou vendo. Será que estou obcecada? Pode ser, mas não sem razão. E, o mais importante: pesquisando nas redes sociais, vejo que não estou sozinha. Há muitos, milhares, milhões de brasileiros que pensam como eu e já não suportam mais a miopia (ou má fé) com que se encara o que eu julgo como a maior crise institucional do STF.

A cada semana, o Supremo Tribunal Federal parece testar o limite da minha paciência (e da sua, também?). Se fosse apenas isso, talvez uma terapia resolvesse, porém, a situação é grave: o STF também testa mais! Testa o limite da Constituição. A corte que deveria zelar pela legalidade virou palco de autoritarismos travestidos de moralidade. E, se ainda havia quem tentasse acreditar em neutralidade institucional, bastou observar os últimos dias para perceber que o Judiciário brasileiro faliu — moral, ética e institucionalmente.

Lembre-se que venho, reiteradamente, questionando como é possível que se permitam julgamentos onde, claramente, inexiste o princípio da imparcialidade do juiz. Não é por acaso que sobre o Ministro Alexandre de Moraes recaíram as sanções da lei Magnitsky, ora bolas! Ou vocês acham que o governo americano está apenas brincando de cabo de guerra porque não tem mais o que fazer?

Vamos a uma breve retrospectiva da última semana. O primeiro ato desse terrível espetáculo trouxe o “iluministro” destituindo os advogados de defesa do réu Filipe Martins, sob a alegação de má-fé. Oi? A destituição de advogados é um ato extremo, excepcional, porque atinge o núcleo duro da democracia: o direito de defesa. Quando um ministro interfere diretamente na relação entre réu e defesa, ele fere um princípio sagrado do Estado Democrático de Direito. Mas, claro, quando o “iluministro” resolve brincar de inquisidor, o devido processo vira detalhe. E a distorção do devido processo legal, das leis, dos princípios já se tornou tão rotineira que, claro, ninguém lembra. Até porque, convenhamos, há coisas mais importantes a se fazer, seja trabalhar para pagar os boletos, seja rolar pelas redes sociais compartilhando memes (o que eu, aliás, adoro fazer).

Ainda assim, houve barulho, e, depois da repercussão, Moraes voltou atrás — mas pedir desculpas? Nem pensar. Afinal, estamos falando de processo judicial, não de Twitter. Lá, ele manda como bem entender. Até porque, em muitos casos, ninguém sequer tem acesso ao processo (em alguns casos, aliás, nem o advogado – veja que loucura!).

O episódio, por si só, já seria grave. Mas, em seguida, veio um enorme escândalo: descobriu-se que o mesmo Filipe Martins, que havia sido preso por decisão do mesmo ministro, jamais passou pelas fronteiras americanas — fato que serviu de base para o pedido de prisão. Ou seja, um cidadão foi privado da liberdade por um documento falso ou por uma análise grotescamente equivocada. Meses de vida perdidos. Reputação destruída. E o silêncio sepulcral da corte diante de um erro que, em qualquer democracia minimamente saudável, derrubaria ministros e geraria pedidos públicos de desculpas. Aqui, não. Aqui, o erro vem com toga. E toga, no Brasil, parece ser sinônimo de impunidade.

Lembre-se que tirar um ministro do STF do cargo depende do Senado. Mas, ah, lá não há vontade política para tais questões mundanas!…

Mas é possível sair sem ser compulsoriamente “saído”. E, assim, fomos surpreendidos com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso. Sai de cena logo após o julgamento da chamada “trama golpista”, encerrando uma trajetória que, no início, parecia brilhante — mas terminou manchada pela politização da corte e pela vaidade travestida de virtude. Barroso simboliza bem o que o Supremo se tornou: um espaço em que a toga virou palanque, e o juiz, personagem de si mesmo. Um homem que se deixou seduzir pela narrativa, pela plateia e pela sensação de poder ilimitado que o cargo concede. “Perdeu, mané” será, para sempre, a sua frase mais célebre. Triste fim para um expoente jurídico que cairá no ostracismo dos potenciais grandes juristas brasileiros.

A questão é que, na medida em que o Supremo vai perdendo o respeito, rui a segurança e a credibilidade da nossa justiça. Exemplos vêm de cima. É o conceito do “Tone of the top” (“o tom vem de cima’), usado em governança corporativa, compliance e liderança ética, segundo o qual a conduta dos líderes define o padrão moral e comportamental de toda a organização. O sociólogo Donald Cressey, em estudo clássico sobre colapsos éticos, provou que organizações desmoronam não por falhas técnicas, mas por condutas corruptas ou autoritárias vindas de cima. O MIT, através de Edgar Schein, reforça a tese: “se você quer entender a cultura de uma organização, olhe para o comportamento de seus líderes”. É simples — e é, também, devastador. Quando o topo se desvirtua, o resto segue o mesmo rumo.

Conseguem, agora, entender a razão da minha constante preocupação? Se o STF perde a credibilidade, se por lá não se respeitam os princípios jurídicos (e, por que não dizer, morais?), o que esperaremos de todo o resto???

Quando o topo é íntegro, o resto segue; quando o topo é corrupto ou arbitrário, o sistema inteiro apodrece. Não é mais a Casa que guarda a Constituição — é o tribunal que decide conforme o vento político, o humor das redes e as conveniências do poder. Quando um juiz passa a agir como parte, o tribunal deixa de ser guardião da lei e passa a ser o próprio poder absoluto. E, como todo poder absoluto, é autodefensivo, arrogante e imune à crítica.

O Judiciário brasileiro virou monarquia. Monarquia ruim, sem direito sequer ao glamour ou às princesas. Apenas podre. Há falsos reis, súditos cegos e uma corte corporativista que protege seus privilégios. Só não há mais Justiça — aquela com “J” maiúsculo, de olhos vendados, que aplica a lei igualmente a todos. Essa aí já foi sepultada há tempo, sob camadas de vaidade, soberba e autoritarismo. O que se vê hoje é um poder que não aceita limites, que se julga infalível e que confunde respeito com medo.

E o mais grave é que, em meio a tantos excessos, o cidadão comum vai se acostumando. A cada nova aberração, o espanto diminui. A cada nova decisão arbitrária, a indignação se dilui. É a normalização do absurdo — e é justamente aí que mora o perigo. Porque regimes autoritários não nascem de um golpe, mas da soma de pequenas omissões.

A Constituição virou peça decorativa. O Estado Democrático de Direito virou piada de mau gosto. E nós, cidadãos, seguimos assistindo à derrocada de um sistema que deveria nos proteger — mas agora nos vigia, nos cala e nos pune.

O STF já não é o Supremo da Justiça — é o Supremo das vontades. E vontade demais, sem limite, chama-se ditadura. E aí, é impossível ,não refletir sobre o que pensaria Rui Barbosa, “apenas” o maior nome da história do pensamento jurídico brasileiro: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer.”

Instagram: @ali.klemt

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
O Jornal O Sul adota os princípios editoriais de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

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