Segunda-feira, 03 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 30 de dezembro de 2019
A 10ª Câmara Cível do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) manteve a sentença que julgou improcedente uma ação indenizatória movida em Porto Alegre, por danos morais, contra a pediatra Maria Dolores Bressan, que se recusou a continuar atendendo o filho de um casal, por conta de divergências ideológicas – a médica discorda da orientação política de esquerda do pai e da mãe da criança, ele militante do Psol e ela a suplente de vereadora do PT Ariane Chagas Leitão.
Essa decisão teve por base o entendimento de que o Código de Ética Médica garante aos profissionais da área o direito subjetivo de renunciar ao atendimento quando, a seu critério, ocorrerem fatos que prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional. Isso, é claro, desde que a o paciente ou seu representante legal seja comunicado previamente, a fim de assegurar a continuidade do tratamento.
O detonador do litígio foi uma mensagem da médica à mãe do menor, enviada por meio do aplicativo WhatsApp, às vésperas de uma consulta agendada para o dia 23 de março de 2016. Na mensagem, a pediatra alegou as já mencionadas divergências políticas e a ocorrência de “situações constrangedoras” com os pais do menor de idade, interrompendo assim um ano de atendimento por meio de convênio do Ipergs (Instituto de Previdência do Estado), visto que o pai da criança é servidor público estadual.
Considerações
De início, o juiz Walter José Girotto, da 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, frisou que o diálogo privado mantido entre a médica e a mãe do menor foi publicizado pela última na rede social Facebook, fato comprovado por duas testemunhas ouvidas no processo. Ou seja, a autora, mesmo sem mencionar o nome da médica, tinha plenas condições de prever a repercussão que seria gerada pela divulgação da mensagem – não apenas para a profissional, mas também para a sua própria família.
Em segundo lugar, o magistrado considerou a “situação conflituosa” entre a médica e a mãe da criança, que a criticava constantemente não só em relação à prescrição de medicamentos como a temas afeitos à política partidária – 2016 era um ano de eleições municipais. Para o juiz, essa situação causou constrangimento e desgaste à relação médico-paciente.
Ele então justificou a decisão da pediatra em não mais atender o menor, já que a negativa tem amparo no artigo 36, parágrafo 1º, do Código de Ética Médica. Levou em conta, ainda, o argumento de que os autos do processo não traziam “prova cabal” de prejuízo à criança, pois não houve situação de urgência ou emergência.
Finalmente, sublinhou que a profissional deixou a mãe do paciente devidamente ciente da quebra da confiança, dando tempo suficiente para a continuidade do tratamento com outro médico. Além disso, a pediatra não teria colocado empecilhos para que outros médicos assumissem o tratamento do paciente, tendo inclusive mantido disponível o acesso ao respectivo prontuário.
“Assim, não se vislumbra no agir da ré ilicitude com infringência ao Código de Ética Médica, não havendo caracterização de ato de imperícia, imprudência ou negligência (…), relevando ser destacado que a exposição midiática gerada foi fortemente ampliada pela própria autora/reconvinda, o que não gera, assim, dever de indenizar”, definiu a sentença.
A mensagem
“Bom dia Ariane.
“Estou neste instante declinando, em caráter irrevogável, da condição de pediatra de *F [nome da criança]. Tu e teu esposo fazem parte do Partido dos Trabalhadores (ele do Psol) e, depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem (representante maior do teu partido), estou sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho.
“Poderia inventar desculpas, te atender de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE que sempre pautou minha vida particular e pessoal. Se quiser posso fazer um breve relatório do prontuário dele para tu levar a outro pediatra. Gostaria que não insistisse em marcar consultas mais. Estou profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por cima dos meus princípios. Porto Alegre tem muitos pediatras bons. Estarás bem acompanhada. Espero que compreendas. Doutora Maria Dolores Bressan”.
(Marcello Campos)