Terça-feira, 04 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 27 de outubro de 2019
				Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi convencido por procuradores da Operação Lava Jato a manter dois executivos da empreiteira Andrade Gutierrez presos a fim de garantir a colaboração da empresa e de seus funcionários com as investigações sobre corrupção em 2016.
O caso foi revelado neste domingo (27) em reportagem assinada pela Folha de S.Paulo e pelo site The Intercept Brasil, a qual trata de meio de mensagens trocadas por integrantes da operação reveladas pelo site.
De acordo com a reportagem, coube ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, submeter a colaboração ao ministro Teori Zavascki, então relator dos processos da Lava Jato no STF e sobre cuja mesa pairavam dois habeas corpus impetrados pelos executivos da Andrade Gutierrez que estavam presos.
A análise das mensagens revelou que a iniciativa foi executada com apoio do então juiz e atual ministro da Justiça Sergio Moro. Os procuradores consultaram Moro antes de levar a proposta ao Supremo.
No acerto com a empresa, estava previsto que os dois sairiam da cadeia no Paraná e ficariam um ano em prisão domiciliar, trancados em casa e monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Moro concordara em revogar as ordens de prisão preventiva que os mantinham atrás das grades. Teori, no entanto, ainda não fora convencido do plano.
Na condição de relator da Lava Jato, Teori seria o responsável pela homologação dos acordos de delação premiada dos executivos da Andrade Gutierrez. Eles prometiam implicar em seus depoimentos políticos com direito a foro especial e que poderiam ser investigados e processados apenas no Supremo.
O ministro, no entanto, ainda não havia sido informado das negociações, tampouco teve a chance de examinar os acordos. A preocupação com a longa duração das prisões dos investigados pela Lava Jato era crescente, além de tudo, e, para os procuradores, Teori tendia a soltar os empreiteiros.
Em 4 de fevereiro de 2016, Teori deu o aval e pediu os nomes dos executivos presos. “Pq ele vai travar os hcs aqui esperando vcs”, escreveu o procurador Eduardo Pelella, chefe de gabinete de Janot, ao dar a notícia ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Caso ninguém tivesse conversado com Teori, seria possível que os dois executivos na cadeia deixassem a prisão com o habeas corpus. Eles poderiam aguardar em liberdade o julgamento de seus processos e a homologação dos acordos de colaboração, e poderiam até rediscutir seus termos.
Com os HCs engavetados por Teori, já no dia seguinte Moro transferiu os executivos para o regime de prisão domiciliar. Os procuradores do caso se organizaram então para tomar seus depoimentos, sem medo de que os delatores fossem soltos e cogitassem abandonar o acordo negociado pela empreiteira.
Caso foi tratado com discrição pela força-tarefa
A situação foi tratada com descrição, relata a reportagem, uma vez que a força-tarefa não queria melindrar o ministro do STF, com quem mantinha uma relação tensa. Além disso, o grupo tentava evitar que uma ordem de soltura da corte reduzisse seu poder de barganha nas negociações com outras empresas que estavam na fila para negociar delações premiadas.
“Acho melhor manter o sigilo”, escreveu Pelella a Deltan em mensagens pelo aplicativo Telegram obtidas no primeiro semestre deste ano pelo Intercept. “Só pro Teori ficar tranquilo.”. A transcrição preserva a grafia encontrada nos arquivos originais.
À Folha, a força-tarefa negou que tivesse havido ilegalidade nas gestões no STF e disse que os executivos foram assistidos por seus advogados durante as negociações. Moro, por sua vez, disse que houve respeito aos direitos da defesa e que discussões entre procuradores e juízes como as reveladas pelas mensagens são normais.
A Andrade Gutierrez foi a segunda das grandes empreiteiras atingidas pela Lava Jato a colaborar com as investigações. A primeira havia sido a Camargo Corrêa. A empresa reconheceu sua participação em fraudes e aceitou pagar multa de R$ 1 bilhão para voltar a fazer negócios com o setor público.
Ex-presidente do grupo e um dos que estavam presos no Paraná, Otávio Azevedo e outros dez executivos ligados à Andrade Gutierrez tornaram-se delatores e admitiram crimes. Com isso, forneceram informações aos investigadores em troca de penas mais brandas que as previstas em lei, a serem cumpridas em casa.