Quinta-feira, 22 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 22 de maio de 2025
Falar sobre o divórcio, especialmente em contextos que valorizam o casamento como uma aliança sagrada e duradoura, é sempre delicado. No entanto, como psicólogo clínico e conselheiro de casais, sinto a responsabilidade de abrir espaços para essa conversa.
Ainda que a separação esteja longe de ser o ideal de quem inicia uma história a dois, a experiência clínica e humana revela que, em determinadas circunstâncias, ela se torna o único caminho possível para preservar a integridade dos envolvidos. Negar essa realidade seria ignorar o sofrimento que vejo cotidianamente nas escutas de casais e indivíduos que chegam exaustos, machucados e, muitas vezes, sem esperança.
A “dureza do coração” refere-se à rigidez emocional que se instala quando sentimentos como empatia, respeito, escuta, perdão e compaixão cedem lugar a posturas defensivas, agressivas ou indiferentes. É nesse ponto que o amor começa a se degradar, não raramente, de forma silenciosa.
Em minha prática de conselheiro, há mais de 40 anos, testemunhei violência física, desrespeito moral, exposições indescritíveis.
Por outro lado, ocorrem casamentos – arranjados – jovens que se casam, não por amor ou desejo, mas para saírem de seus ambientes domésticos que são absolutamente tóxicos.
Em situações assim, insistir em manter a relação a qualquer custo é não apenas imprudente, mas cruel. Como disse Salvador Minuchin, um dos principais teóricos da terapia familiar sistêmica:
“A família deve ser um espaço de crescimento, não de contenção destrutiva.”
Adultério: visível e invisível
No universo conjugal, há formas diferentes de ruptura. Algumas são facilmente reconhecíveis – adultério objetivo – como relações extraconjugais, abandono do lar e mentiras.
Mas há também o que chamo de adultério subjetivo – silencioso, porém corrosivo: a indiferença fria, a ausência de cuidado, as humilhações sutis, o desrespeito cotidiano, habituais abusos. Esses comportamentos geram marcas profundas e podem comprometer a saúde psíquica e emocional do casal e da família.
Muitos casamentos permanecem apenas formalmente vivos. Por fora, mantêm a estética da união. Por dentro, são corpos emocionais desfalecidos.
O que sustenta uma união?
Casamento saudável não é ausência de conflito, mas presença de cuidado, escuta ativa, diálogo, respeito mútuo e um projeto de vida em comum.
Quando esses pilares desaparecem de forma irreversível – seja por violência, negligência ou esgotamento emocional – manter o vínculo pode agravar o sofrimento e impedir qualquer chance de reconstrução, mesmo que em novos caminhos.
Entre o ideal e o possível
Eu continuo a crer na beleza do casamento – na sua força, no seu propósito e no seu potencial de transformação mútua. Mas também compreendo que, em certos contextos, a separação se torna um ato de responsabilidade emocional, proteção à vida e a dignidade humana.
Busquem ajuda
Em meus cursos para casais, costumo dizer que o conselheiro não é um bombeiro. Isso porque, na maioria das vezes, os casais só procuram ajuda quando a crise já consumiu quase toda a sua energia emocional. E, infelizmente, muitos sequer buscam apoio, seguindo até à exaustão – e, não raro, até o divórcio.
Estudo realizado pela Universidade de São Paulo aponta que quase 80% dos casais que se divorciam relatam não ter procurado apoio terapêutico antes da separação.
Nada é irreversível, até mesmo a mais aguda crise de relacionamento, e o devido apoio na hora adequada pode restaurar aquilo que parecia sem vida.
Terapia de casal, grupos de escuta, mentoria e diálogos honestos podem restaurar laços e reconstruir significados.
Desejo que todo relacionamento possa florescer em felicidade e harmonia. Mas, se em algum momento isso se perder, encorajo que busquem ajuda e orientação. Acredito que todo vínculo pode encontrar cura, quando cuidado e apoio certos chegam na hora certa. (Marcos Amaral)